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quinta-feira, 7 de abril de 2011

DEBATE SOBRE O FILME "CISNE NEGRO"

Ana Lúcia Garcia de Freitas convida para o debate sobre o  filme " Cisne Negro", com a presença das psicanalistas Lúcia Mariano e Maria Silvia Hanna.


Data: 12/04/2011 ( Terça- feira)
Horário: 20:30 h



Realização: Seminário da EBP-Rio em Niterói.


Local: Rua Lemos Cunha, 442- Icaraí- Niterói - RJ




Para  iniciar e aquecer o debate, Ana Lúcia recomenda a leitura do texto de Malvine Zalcberg. Segue abaixo o artigo.

Cisne negro: perdendo-se na perfeição
MALVINE ZALCBERG - Doutora em psicanálise, autora dos livros A relação mãe e filha (2003). Rio de Janeiro: Campus; Amor paixão feminina (2007). Rio de Janeiro, Campus e Qu´est-ce qu´une fille attend de sa mère? (2010). Paris: Odile Jacob.

Resumo: Uma mulher aceita ocupar o lugar que o homem lhe reserva em seu desejo e fantasia enquanto que uma histérica o recusa. Embora o recuse, a histérica toma a mulher como referência para descobrir o que é ser uma, a que supostamente saberia o que é necessário para o gozo de um homem. Nina, a bailarina do filme Cisne negro, nem é mulher nem procura referência em outra. Quando o tenta, é para perder-se na escuridão.
Palavras-chave: mulher, feminilidade, sexualidade, mãe, filha.

 

Não há quem assista Cisne Negro, do cineasta Darren Aronosfky, sem se dar conta de que o desmoronamento psíquico da bailarina Nina, em torno do qual o filme se desenrola, deve ter algo a ver com a relação entre ela e sua mãe.

Filmes inspirados em impasses na relação mãe e filha têm constituído um filão muito explorado pelo cinema – Now,Voyager (Irving Rapper, 1942), com destacada atuação de Bette Davis, deve ter sido um dos primeiros. Cisne Negro aborda a questão sob um ângulo específico. A mãe de Nina não apenas projeta seus anseios narcísicos de bailarina frustrada, como a mãe musicista de Hillary and Jackie (Anand Tucker, 1998) ou a mãe possessiva de A professora de piano (Michael Haneke, 2001), dentre tantas outras figuras maternas devastadoras que o cinema produziu. Mantendo sua filha numa infância eternizada, Erica frustra a plena realização de um dos aspectos pelos quais deveria zelar: o de favorecer a passagem de menina para mulher.

A escritora Simone de Beauvoir enunciou que “a mulher não nasce uma, deve tornar-se mulher”2. Não conseguir realizar essa passagem “é a grande catástrofe” na vida de qualquer mulher, diz Freud3. Embora a essência da feminilidade não seja transmissível em si – cabe a cada mulher “inventar” uma feminilidade possível – é, entretanto, em torno dessa questão, que se desenrola um dos pontos essenciais na relação entre uma filha e sua mãe.

É da mãe (de quem mais?) que a filha espera uma resposta à pergunta essencial para a constituição de sua identidade feminina: “o que é ser mulher?”. Ela quer saber qual a solução encontrada pela mãe para a sua condição de mulher, que em sua forma mais feminina se expressa pela vontade de despertar o desejo de um homem.Essa pergunta que certamente Nina teria procurado fazer não encontrou na mãe a acolhida necessária.

A visão de Erica a respeito de um possível encontro sexual com o diretor artístico Thomas Leroy o demonstra: “Ele não fez nenhum avanço em relação a você, não é?”, pergunta a uma confusa e assustada Nina. Ela justifica seu desejo de afastar Nina dos homens, alegando querer evitar que sua filha cometa “o mesmo erro dela”, isto é, engravide. Não é surpreendente que Nina reaja ao beijo de Thomas com uma mordida, pura rejeição ao seu assédio. Evoca a reação de Dora, bem conhecida paciente histérica de Freud, à tentativa do Sr. K. de beijá-la, na famosa cena do lago que marcou a psicanálise4.

Nina, no entanto, não é histérica. Se, por um lado, a histérica se recusa a ser a mulher, por outro é à mulher que ela se refere. A mulher é, para a histérica, o que ela não sabe ser e este impossível é o ponto a partir do qual se decide sua posição de enunciação, como diz Lacan5. Aocontrário de Dora, que pede à Sra. K. para lhe dizer algo sobre a mulher e a sexualidade feminina, Nina não é uma mulher nem se refere a uma outra. Mantém-se afastada,
isolada, das outras moças bailarinas como ela, como se nesse mundo feminino não houvesse um lugar que pudesse ser dito seu.

O desejo de Erica tanto legisla sobre o destino sexual da filha, como impera sobre sua vida. Manter Nina como sua sweet girl (menina meiga), cercada de brinquedos, animais de pelúcia e uma caixinha de música, é procurar barrar qualquer acesso da filha ao campo da sexualidade feminina plenamente realizada. Se a devoção ao balé representa, por um lado, a prisão onde a fantasia materna a mantém encerrada, é, por outro, onde ela encontra, através de seu corpo exercitado à exaustão, um senso de existência. Esse mais que ela busca não é só a perfeição na dança – uma realidade do próprio balé –, mas também uma garantia deintegridade de um corpo que ela vive como ameaçado de diluir-se no vazio ou de ser (re) absorvido pelo corpo materno. O balé não é o que ela faz, mas o que ela é.

Por falta de uma palavra asseguradora a sustentar uma parte ignorada de seu ser, seu desejo não consegue dar um sentido à realidade e à sexualidade. Aplica-se, para Nina, a fórmula empregada por Freud para qualificar a natureza da feminilidade: “enigma”6.

Ao querer provocar em Nina a vivência de uma sensualidade feminina que ele imagina essencial para o desempenho do papel de cisne negro, Thomas faz balançar o frágil equilíbrio da jovem. Mais do que opor o bem e o mal, Thomas opõe a ingenuidade e a sensualidade femininas em sua “nova versão” do balé. Em Lily, a bailarina que vem
da ensolarada Califórnia para despertar a aprovação/admiração de Thomas, Nina vislumbra essa figura de mulher desejável, aquela que corresponde à exigência dele: a mulher que vive resoluta e abertamente sua sexualidade. É uma mulher que se “solta”; tem a qualidade feminina exigida por Thomas.

Nina fica fascinada por aquele corpo erótico de mulher e chega a sonhar com ele, em sua busca desenfreada de ter acesso (impossível, na realidade) ao enigma da sexualidade
feminina. Mas é igualmente a presença desse corpo fascinante de uma outra mulher que se torna altamente persecutório (“ela quer tomar meu lugar”, diz uma ameaçada Nina a Thomas) e dá início a seu delírio de perseguição e consequente perda de identidade. Procura livrar-se desesperadamente da infância, do cisne branco, jogando bichos de pelúcia na lixeira e tentando fechar a porta para a sua mãe. “Onde está minha meiga menina?”, pergunta a mãe. “Ela se foi”, responde Nina. Mas não há alguém para substitui-la. De menina para... nada.

Enquanto Lily é uma mulher que se solta sem se perder, Nina, “não-mulher” vai se soltar e se perder. Não podendo contar com uma identificação feminina constituída por elementos simbólicos e imaginários, sua cena psíquica será desde então dominada pelo real do gozo. Como Jacques Lacan ensinou, esses três registros da estrutura do psiquismo – simbólico, imaginário e real – devem estar enodados para que o sujeito possa dar conta da realidade. O que se solta em Nina é essa amarração entre os três níveis de estruturação psíquica, deixando-a entregue ao imperativo do excesso do gozo e do domínio das pulsões – o que seus atos de mutilação de seu corpo já prenunciavam.

A irrupção do real do gozo sem amarras nos registros do simbólico e imaginário exerce sobre Nina, sem uma identificação feminina que a sustente, uma atração vertiginosa. Ela “salta”, como recomendara Thomas, mas não da forma como ele havia pensado (“é seguro”, dissera), mas, sim, em resposta ao apelo do abismo. Nada mais a ancora à existência, deixando-a à deriva de seu modo de gozar aberto para o infinito, pura pulsão de morte.

Nina dança à perfeição a perda de si mesma.


1 Psicanalista, Doutora em psicanálise, autora dos livros A relação mãe(2003). Rio de Janeiro: Campus; Amor paixão feminina (2007).
e filha
Rio de Janeiro, Campus e Qu´est-ce qu´une fille attend de sa mère?
(2010). Paris: Odile Jacob.
2 Beauvoir, S. (1949). Le deuxième sexe. Paris: Gallimard, p. 354.
3 Freud, S. (1931). “Female sexuality”. In Standard Edition, vol. XXI.
London: Hogarth Press, p. 239.
4 Idem. (1905). “Fragment of an analysis of a case of hysteria (Dora)”.
, vol. VII, p. 46.
Op. cit.
5 Lacan, J. (2006[1971]). D´un discours qui ne serait pas du semblant.
Paris: Seuil, p. 155.
6 Freud, S. (1933). “Femininity”. Op. cit., vol. XXII, p. 113.

Ano 2 • Número 4 • Março 2011 • ISSN 2177-2673
Cisne negro: perdendo-se na perfeição

Malvine Zalcberg1
Opção Lacaniana online nova série


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Informações: 22874419 ou 21744416 

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