Psicóloga / Psicanalista Flavia Bonfim - Atendimento - Cursos - Eventos - Textos
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quinta-feira, 30 de junho de 2011

REPORTAGEM SOBRE O LIVRE "A PSICANÁLISE NA TERRA DO NUNCA"

O divã imaginário

Em um livro delicioso e instigante, dois psicanalistas dedicam-se a ouvir o que os personagens do universo pop dizem sobre as metamorfoses da família contemporânea

Bruno Meier
Homer, o pai de Os Simpsons — o desenho mais longevo da televisão americana, há vinte anos no ar PAPAI SABE NADA
Homer, o pai de Os Simpsons — o desenho mais longevo da televisão americana, há vinte anos no ar —, é, de acordo com os psicanalistas Diana e Mário Corso, a melhor tradução do esvaziamento da autoridade paterna na família contemporânea. O único controle que ele mantém em sua casa é o da TV. Infantilizado e trapalhão, é o completo oposto dos patriarcas modelares que figuravam em séries dos anos 50, como Papai Sabe Tudo. Nem sequer consegue ser chamado de pai: seus filhos Bart e Lisa o tratam pelo prenome. Embora Homer, funcionário de uma usina nuclear, ainda seja o provedor, Marge, sua mulher, é mais competente na gestão da economia doméstica. Esse retrato da dissolução do poder do pai, no entanto, não resulta tão iconoclasta quanto se imagina: apesar de seus incontáveis defeitos, Homer ainda se mostra um pai amoroso. Os laços de afeto, em suma, são fortes o bastante para sobreviver às transformações sociais da família.
(Fotos Divulgação)
Durante uma sessão de análise, um pai de família de seus 30 anos desabafou com o terapeuta a angústia por algo que o filho de 6 anos lhe havia dito no dia anterior. Ao ver o garoto rolando de rir com o desenho animado Os Simpsons, o pai perguntou qual o motivo de tanta graça. “Pai, essa família é igual à nossa’’, respondeu o moleque. “Quer dizer, então, que o Homer é parecido comigo?’’, questionou o pai. De imediato, o filho o abraçou e disparou: “Igualzinho’’. A comparação atingiu duramente sua vaidade paterna. A imagem que ele tinha de Homer era a de um pai tolo, atrapalhado e, no limite, irresponsável. “Quando começou a falar sobre Homer, ele imediatamente se deu conta de que o identificava com seu próprio pai”, diz o psicanalista gaúcho Mário Corso. O paciente não queria reproduzir, na educação do filho, as falhas de seu pai. Daí o desespero ao se ver equiparado ao (suposto) chefe da família Simpson. O menino, porém, tinha uma perspectiva menos ácida sobre Homer: um pai trapalhão, sim, mas muito amoroso. A série de animação que possibilita essas leituras tão divergentes é uma das mais de quarenta obras de ficção — do cinema, da televisão, da literatura — analisadas pelos psicanalistas Mário e Diana Corso no livro A Psicanálise na Terra do Nunca (Penso; 328 páginas; 79 reais). O casal armou um ótimo panorama do modo como a cultura pop retrata as mudanças na família, nas relações pessoais, na infância e na adolescência. Fantasias coletivas compartilhadas por espectadores e leitores de todo o planeta, esses produtos devem seu sucesso, em grande parte, à eficiência com que representam anseios comuns ao homem contemporâneo.
Os psicanalistas Diana e Mário Corso: Homer Simpson e Shrek no lugar que já foi ocupado pelo trágico rei Édipo Fantasias compartilhadas
Os psicanalistas Diana e Mário Corso: Homer Simpson e Shrek no lugar que já foi ocupado pelo trágico rei Édipo
(Jefferson Bernardes/prevew.com)
Formados em psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — conheceram-se nas salas de aula —, Diana e Mário Corso são autoridades na psicanálise de crianças e adolescentes. Já haviam dedicado um livro anterior, Fadas no Divã, ao exame dos contos infantis, nos passos do psicólogo austríaco Bruno Bettelheim (1903-1990), autor de uma obra pioneira nessa área. O novo livro do casal tem um capítulo fascinante sobre as apreensões da gravidez tal como apresentadas (metaforicamente, bem entendido) em filmes de terror como O Bebê de Rosemary e Alien. No geral, porém, privilegia-se a análise de séries e filmes voltados para o público infantil ou jovem. O elenco de personagens examinados vai do boneco Woody de Toy Story aos vampiros de Crepúsculo, com um interregno literário para Holden Caulfield, protagonista de O Apanhador no Campo de Centeio (o romance publicado por J.D. Salinger em 1951 ainda é um dos melhores retratos do desamparo da adolescência). Na perspectiva dos autores, essas obras de ficção pop não são mera fonte de diversão (tampouco uma forma de “alienação”, como ainda acusam alguns retardatários), mas um veículo para que as pessoas identifiquem seus problemas e busquem resolver conflitos interiores. Muitas das obras citadas no livro apareceram nos relatos de pacientes do casal — crianças, adolescentes e também adultos, como o pai incomodado porque seu filho o achava a versão em carne e osso de Homer Simpson.
Nos seus fundamentos, a terapia psicanalítica é baseada na narrativa: exige do paciente o esforço de contar a própria história, para então chegar a uma compreensão mais profunda de si. É natural, portanto, que a psicanálise funcione também como uma espécie de método para a crítica de obras de ficção. Sigmund Freud (1856-1939), fundador da disciplina, já se dedicara a examinar obras ficcionais, e o francês Jacques Lacan (1901-1981) levou essa propensão a extremos bizantinos. Diana e Mário Corso seguem a linha lacaniana, mas sem rigidez: seu livro vai deliciar fãs da cultura pop, sejam ou não iniciados na psicanálise.
As metamorfoses da família contemporânea, cada vez menos “nuclear” e mais variada em seus arranjos, ocupam uma parte considerável do livro. A série A Família Addams, nos anos 60, aparece como uma pioneira dos modelos alternativos de família. Mas, apesar de seu inconformismo e aparente monstruosidade, os pais mantinham a tradicional autoridade sobre os filhos: Vandinha e Feioso recorriam a eles, com segurança, para obter orientação. Em Os Simpsons, Bart e Lisa não encontram essa firmeza em Homer — e em Os Incríveis, desenho de 2004, não há superpoder que ajude os pais a equacionar a relação com os super-rebentos. Esse é, também, um eco nítido da realidade. “Hoje o público infantil exige que os personagens sejam mais complexos. Eles são filhos de pais ocupados e inseguros, e amadurecem rápido’’, diz Diana Corso. Essa precocidade é o que permite, por exemplo, que as crianças observem sem choque e com naturalidade os dilemas de um personagem como o ogro Shrek: assim como tantos pais modernos, ele às vezes se cansa, tem dúvidas graves a respeito da educação da prole e chega a se arrepender da decisão de ter filhos.
Freud ia buscar suas referências ficcionais nos clássicos da literatura universal. Édipo Rei, a grande tragédia de Sófocles, está na base de suas teorias sobre o chamado “romance familiar” — o desejo reprimido que o filho tem pela mãe e sua consequente rivalidade com o pai. Essas referências eruditas seriam comuns à sociedade afluente de Viena no tempo de Freud; da mesma forma, animações como O Rei Leão ou Shrek são referência inescapável nos nossos dias. Não se quer dizer, com isso, que o teatro grego clássico e a cultura pop estejam no mesmo patamar artístico — mas sim que têm o mesmo valor como chave para os dilemas dos pacientes, conforme Diana Corso. Quando uma obra diz algo sobre seu público e seu tempo, o trabalho do psicanalista é ouvir.
Onde Vivem os Monstros NA SOLIDÃO DA INFÂNCIA
Onde Vivem os Monstros, lançado em 1963 pelo desenhista americano Maurice Sendak, valia-se de ilustrações deslumbrantes e poucas linhas de texto para apresentar a história do menino Max e sua fuga para uma ilha onírica habitada por monstros. Ao adaptar o livro para o cinema, no ano passado, o diretor Spike Jonze conferiu um contexto doméstico a essa história enxuta: Max agora é filho de pais separados. Sente-se ignorado pela mãe — que tem um namorado — e pela irmã adolescente e seu grupinho de amigos. “As crianças têm muitas coisas complicadas para decifrar e elaborar. Os enigmas da infância são sempre assustadores, e ameaçam devorá-las”, dizem os psicanalistas Diana e Mário Corso. No filme, a fantasia compensa o isolamento que Max sente em sua própria casa, e os monstros refletem sua sensação de estar alijado das decisões dos adultos. O filme mostra, enfim, quão profunda pode ser a solidão de uma criança.

Shrek 
FADAS INTIMISTAS
A sátira ao universo dos contos de fadas faz a graça dos quatro filmes da série Shrek. Porém as aventuras do ogro e de sua independente companheira, Fiona, mantêm uma certa fidelidade aos modelos ditados pela tradição: Shrek ainda é um herói que amadurece — vai do isolamento autossuficiente em seu pântano à descoberta do amor de Fiona e à constituição de uma família — em um universo regido pela magia. De maneira diversa da dos contos clássicos, com seus personagens que representavam atributos morais binários (o herói virtuoso e o vilão malvado de arrepiar), os personagens de Shrek têm uma vida interior mais complexa, o que facilita a identificação imediata com as cada vez mais precoces e espertas crianças de hoje. Na expressão de Diana e Mário Corso, trata-se de um “conto de fadas intimista”. “Os contos de fadas mudaram porque nós mudamos”, diz o casal em A Psicanálise na Terra do Nunca.

Toy Story TRAMPOLIM DA IMAGINAÇÃO
O estúdio de animação Pixar, sem pressa, lançou nos últimos quinze anos três filmes sobre brinquedos com vida. A série Toy Story tem como centro o caubói de pano Woody e seu amigo astronauta, Buzz Lightyear. Em seu livro, Diana e Mário Corso mostram como os três filmes de animação são eficientes ao retratar a relação das crianças com seus brinquedos. Estes são apenas o suporte material para o exercício da imaginação; para se apropriar de um brinquedo, a criança muitas vezes lhe dá significados que sua forma não faz supor. Em Toy Story 3, especialmente, evidencia-se esse divórcio entre a aparência e o significado: um fofíssimo urso de pelúcia cor-de-rosa é o mais canalha dos vilões, e a boneca Barbie, com seu figurino de loira fútil, revela-se uma garota leal e despachada. Toy Story enfoca também a melancolia de nossa relação com a infância perdida, na figura dos brinquedos que guardamos, empoeirados, no sótão.

A Família Addams e Os Incríveis O CERCO À DIFERENÇA
Criada pelo cartunista americano Charles Addams no fim dos anos 30 e depois adaptada para a televisão e o cinema, a Família Addams forma um clã esquisitíssimo, porém generoso — monstruosos, mas “apenas para quem os vê de fora”, na expressão de Diana e Mário Corso. Extravagantes e aristocráticos, os Addams são um exemplo de independência de espírito em uma sociedade na qual vigora a constante preocupação com “o que os outros vão pensar’’.
A família de super-heróis do desenho animado Os Incríveis (2004) vive sob outra forma de coerção social. Eles estão impedidos de usar em público os seus prodigiosos poderes. Esse é um grande problema para os dois superpais, divididos entre incentivar e reprimir o potencial dos filhos. Trata-se de uma representação fantasiosa de um dilema comum aos pais de carne e osso: frequentemente, eles se sentem policiados na educação dos filhos (às vezes literalmente, como no caso do projeto de lei que pretende coibir as palmadas) e, por medo de errar, acabam até negligenciando seus pimpolhos.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

CURSO: PSICANÁLISE E REABILITAÇÃO FÍSICA

Psicanálise e Reabilitação Física

DIA: 13 de agosto de 2011
LOCAL: Associação Fluminense de Reabilitação (Icaraí - Niterói - RJ)

Ministrante

Flavia Bonfim
Mestre em Pesquisa Clínica e Psicanálise (UERJ); Pós-graduada em Psicanálise e Laço Social (UFF); Psicóloga (UFF); ex-participante do Programa de Bolsa de Aperfeiçoamento Profissional na Área de Psicologia da AFR; Psicóloga do Programa Reintegrar da AFR.

Conteúdo

- A “deficiência” e o processo de reabilitação física
- A constituição do sujeito e a dimensão inconsciente
- Psicanálise e Instituição
- Aspectos psíquicos do adoecimento e da perda a nível corporal/ funcional
- Processo de Luto X Depressão
- A função do psicólogo no processo de reabilitação
- Possibilidades de intervenção (avaliação; trabalho em equipe, atendimento individual e grupal; intervenção com a família e/ou cuidadores)
- O tratamento psicanalítico na instituição (demanda, sintoma analítico, associação livre, transferência, intervenção/interpretação)
- Processo de alta na reabilitação

Objetivos

Apresentar e discutir considerações psicanalíticas sobre a especificidade do trabalho em instituições de reabilitação física, de modo a contribuir para a intervenção neste campo de atuação.

Público Alvo

Profissionais e Acadêmicos de Psicologia e Serviço Social (a partir do 4º período).

Horário

08:00/17:30 h

Carga Horária

10 h/a

Investimento

Até o dia: 29/07/2011
Acadêmicos: à vista = R$ 108,00 ou parcelado = 3 X R$ 40,00 = R$ 120,00
Profissionais: à vista = R$ 119,00 ou parcelado = 3 X R$ 44,00 = R$ 132,00

Após o dia: 29/07/2011
Acadêmicos: à vista = R$ 119,00 ou parcelado = 3 X R$ 44,00 = R$ 132,00
Profissionais: à vista = R$ 132,00 ou parcelado = 3 X R$ 49,00 = R$ 147,00

Promoção:
Até o dia: 29/07/2011
Estagiários da AFR : à vista = R$ 98,00 ou parcelado = 3 X R$ 36,00 = R$ 108,00

Após o dia: 29/07/2011
Estagiários da AFR : à vista = R$ 106,00 ou parcelado = 3 X R$ 39,00 = R$ 117,00

Seja DIVULGADOR dos nossos Cursos e GANHE 20% de DESCONTO a cada aluno indicado, após a confirmação da matrícula. (exceto Estagiários da AFR)

DESCONTO ESPECIAL de 15% para grupo de 6 alunos. (exceto Estagiários da AFR)

INFORMAÇÕES E INSCRIÇÃO:
Associação Fluminense de Reabilitação
Rua Lopes Trovão, 301 Niterói - RJ - Brasil
Tel: 21 2109-2626

domingo, 19 de junho de 2011

STOP DSM - Uma crítica ao movimento contemporâneo da clínica psiquiatrica





POR FLAVIA BONFIM

Os  videos apresentados fazem  uma crítica ao movimento contemporâneo da clínica psiquiatrica de "etiquetar", colocar rótulos sobre o sujeito. O primeiro, de modo especial, é um marco na Campanha Internacional "STOP DSM" na medida em que esse instrumento diagnóstico obtura as possibilidades de pensar e interrogar sobre o que ocorre com o ser humano.

A psiquiatria atual está fundada na incompreensão do sujeito a respeito de seu sintoma, não havendo lugar para nenhuma espécie de subjetivação sobre o que o acomete. Não sendo mais tratado pela palavra, a via medicamentosa tornou-se a única opção de tratamento. Os diagnósticos inventados são os mais variados, muitos feitos a partir de recortes clínicos em decorrência da respostas aos experimentos com medicamentos.

Um bom exemplo disso é o "Transtorno de pânico"*. Este não é um sintoma inédito para a psicanálise, muito pelo contrário, ele já havia sido descrito por Freud desde 1895, porém com uma outra nomenclatura, a saber, Neurose de Angústia. A invenção desse novo diagnóstico psiquiátrico se deu em função de um observação clínico experimental, que tomou como referência os trabalhos realizados pelo psiquiatra americano Donald Kein. Este realizou uma pesquisa com o medicamento imipramina, utilizando-o em pacientes com ansiedade crônica e aguda, que constituiam dois grupos, respectivamente. Nesse experimento, ele observou que a imipramina era eficaz no tratamento de pacientes acometidos com crises de angústia agudas, repentinas e inexplicáveis, não obtendo o mesmo resultado com o outro grupo. Por outro lado, com tranqüilizantes habituais, a resposta não era positiva nos grupos com crises agudas. Assim, a “dissociação farmacológica” possibilitou a criação de uma entidade nosológica que corresponderia a esses novos dados empríricos, que demostra a tendência da psiquiatria a fazer recortes clínicos. Ou seja, de uma dissociação farmacológica no tratamento da angústia, cria-se, então, duas entidades nosológicas: o Transtorno de pânico e o Transtorno de Ansiedade generalizada. O que a psiquiatria fez com o fenômeno de angústia é um bom paradigma para evidenciar as bases de seu trabalho.

* Considerações extraídas do texto de Carlos Augusto Nicéas, intitulado "Pânico e Angústia" In: Latusa 4/5 - Revista da EBP.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Entrevista do psicanalista Éric Laurent ao Globo

O GLOBO - Congressos e livros discutem como lidar com a loucura na sociedade atual

RIO - Como fazer da loucura uma marca pessoal e intransferível? Como fazer para que o que não se socializa seja reconhecido? Este fim de semana, o IX Congresso da Escola Brasileira de Psicanálise (EBP), em Tiradentes (MG), discute estas e outras questões. Em junho, no Rio, o V Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (Enapol) reunirá 1.200 psicanalistas para tratar do tema "A saúde de todos, não sem a loucura de cada um", discutindo como fazer para que o singular deixe sua marca no universal.
Uma das estrelas dos dois eventos é o psicanalista, psicólogo e doutor em Psicanálise francês Éric Laurent, membro da École de la Cause Freudienne (ECF), da EBP, da Associação Mundial de Psicanálise (AMP) e autor de mais de 270 referências em francês, com artigos e capítulos de livros traduzidos para outros sete idiomas. Este fim de semana ele lança o livro "Loucuras da Vida Cotidiana" em Tiradentes e, em entrevista a O GLOBO por email, falou sobre loucura, felicidade, redes sociais, sociedade e vida contemporânea. Para ele, a satisfação máxima, gozo atual da sociedade, "é um imperativo tão destruidor como foi a repressão na época vitoriana".
O GLOBO: O que é "ser" normal?
ÉRIC LAURENT: É ser "louco", como todo mundo, mas à sua maneira, a de cada um não é a do vizinho. A felicidade comum não existe, cada um tem as particularidades do seu mundo e o que o faz enlouquecer.
O GLOBO: Hoje as pessoas se consideram mais normais ou anormais? Baseadas em quê estabelecem esses critérios?
LAURENT: Nosso mundo foi invadido pelo ciframento de toda atividade humana: as estatísticas, os indicadores quantitativos, a pressão para ser avaliado produz um duplo efeito. Por um lado, reconhecer a particularidade de seu estilo de vida como "normal" seja qual for sua estranheza. De outro lado, ser reconhecido como exceção à regra, como uma pessoa.
O GLOBO: Por que nos sentimos tão desconfortáveis com nossas loucuras?
LAURENT: Pela pressão conformista de ser "um homem sem qualidades" como dizia (Robert) Musil.
O GLOBO: Quando o senhor fala que a satisfação máxima é o gozo atual da sociedade, essa satisfação tem a ver com felicidade?
LAURENT: A felicidade sempre foi concebida como harmonia. A necessidade imperiosa de obter uma satisfação de gozo maximizada sempre ultrapassa os padrões de felicidade. E além de ser feliz, não há mais.
O GLOBO: Em que medida essa satisfação máxima contribui para esse desconforto?
LAURENT: Porque é um imperativo tão destruidor como foi a repressão na época vitoriana.
O GLOBO: Como o senhor acha que as pessoas lidam com as frustrações e decepções em uma sociedade que cobra sorrisos o tempo todo?
LAURENT: Esta sociedade que "cobra sorrisos" é cruel e violenta. Ser carioca é saber lidar com isso de uma certa maneira, com o Carnaval por exemplo. Além da identidade coletiva, cada um encontra seu carnaval particular que é seu sintoma. Um sintoma é feito da imposibilidade de uma identificação única. Cada um é múltiplo.
O GLOBO: A superexposição atual tem a ver com isso, já que todos estão acessíveis nas redes sociais, precisam estar bem, sorridentes, realizando e adquirindo coisas?
LAURENT: As redes sociais são formas de se reconhecer como os demais, apesar da angústia de que não se é. O paradoxo é que uma rede social pode ser uma maneira extraordinária de atuar ao contrário da padronização identificatória. Pode servir para atuar contra as normas e o poder. O Facebook pode favorecer uma epidemia de rebeldia como se viu no Irã e no Oriente Médio.
O GLOBO: Como o senhor observa o comportamento das pessoas online e na vida real? Não é muito diferente?
LAURENT: As redes sociais mais interessantes para um psicanalista são as redes de encontros. As diferenças entre o papel desempenhado por cada um e a maneira particular com a qual se produz o desencontro é muito notável. Quando digo desencontro, isto inclui os casos nos quais o encontro desemboca em parceiros estáveis.
O GLOBO: Para onde o senhor acha que vamos caminhar a partir daqui? Esses conceitos e filosofia de vida vão se potencializar ou poderá haver uma ruptura nesses padrões?
LAURENT: Vamos padecer mais a cada dia dos paradoxos das loucuras cotidianas, tratando de encontrar nossas soluções, uma por uma.

Revista aSEPHallus

Nova edição da Revista aSEPHallus - Revista do núcleo de pesquisa sobre o moderno e contemporâneo, que conta com artigos sobre a sexuação, a escrita em psicanálise, o discurso e o desejo do analista, entre outros.

Para conferir os artigos, acesse:

http://www.nucleosephora.com/asephallus/numero_10/index.html

sexta-feira, 10 de junho de 2011

“EDUARDO E MÔNICA” - PROCURANDO AO INFINITO SOLUÇÕES PARA O IMPOSSÍVEL DO LAÇO AMOROSO...


Por Flavia Bonfim

Sucesso do momento, tornou-se “Eduardo e Mônica” – O filme. A primeira impressão que temos dele é  sua vertente encantadora de colocar em cenas uma música tão conhecida da Legião Urbana, de autoria de Renato Russo, com a característica peculiar de unir melodia e narrativa sob o pano de fundo de uma estória amorosa. Posso dizer que o clip nos CONECTA. Não é a toa que sua realização esteja ligada à operadora de telefonia Vivo, que explorou tão bem em suas imagens o uso da tecnologia a serviço da conexão entre as pessoas, servindo-se da temática do amor num mês bastante propício, no qual se comemora o dia dos namorados.  
Ah.... o amor! Tema melhor não poderia existir para cativar os consumidores – tendo mais eficácia quando se recorre a uma data em que os amantes parecem preferir esquecer o desencontro marcado por toda relação sexual e apostam com mais convicção na idéia do amor enquanto podendo fazer UM.
Por outro lado, penso que Renato Russo, apesar de falar do amor, tenha dado certo lugar em sua letra (pequeno ou não) ao furo e desencontro na relação amorosa. O primeiro de todos e mais evidente é que Eduardo e Mônica são nitidamente diferentes um do outro, seja em idade, estilo de vida, gosto, interesses, enfim....
“Eduardo e Mônica eram nada parecidos
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês
Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus
Van Gogh e dos Mutantes, de Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol-de-botão com seu avô
Ela falava coisas sobre o Planalto Central
Também magia e meditação
E o Eduardo ainda tava no esquema
Escola, cinema, clube, televisão”

                Não há reciprocidade, correspondência, proporcionalidade entre os dois, sendo por isso que Renato Russo continua...


E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos, muitas vezes depois
E todo mundo diz que ele completa ela
E vice-versa, que nem feijão com arroz

Eles comemoram, festejam, mas também brigam. É interessante notar que  o autor não afirma que um completa o outro. Quem diz é “todo mundo”, uma fala sem dono. Diz, entretanto,  que completa  tal como “feijão com arroz”. Feijão e arroz é um boa combinação na cultura brasileira, mas não podemos negar que um prato só com eles não é completo. Falta um bife, uma batata-frita,....
Sustentar completude onde não há, é gerar mal-estar. Quantas brigas acontecem porque se espera que o parceiro ou a parceira pense da mesma forma, goste das mesmas coisas, tenham os mesmos interesses e os mesmos pensamentos? Quando se namora, se casa,.. enfim, se relaciona amorosamente as duas pessoas não passam a fazer uma só – como muitos gostariam ou pensam – mas continuam a ser dois sujeitos com desejos diferentes. Não há completude, nem simetria ou possibilidade que um supra tudo do outro.
O amor visa fazer “Um” e sofre-se justamente porque isso é impossível, porque a relação sexual nunca é aquilo que se deveria ser. Eis o tão conhecido aforismo lacaniano que sintetiza radicalmente o que acabo de dizer: “Não há relação sexual”. É justamente essa ilusão que é um grande gerador de conflitos, desentendimentos, sofrimentos e decepções. Isso, contudo, (falo aos os apaixonados e ansiosos pela chegada de 12 de junho) não quer dizer que os parceiros não possam sustentar um laço amoroso, mas somente ao passo que procurem ao infinito soluções para o impossível da relação sexual.

PSICANÁLISE & CINEMA

sábado, 4 de junho de 2011

Judith Miller: 'Cada um de nós tem seu grão de loucura' - Prosa & Verso: O Globo

"No mundo de hoje, em que a indústria farmacêutica vende antidepressivos como bombons e proliferam métodos prometendo “cura” rápida dos problemas, Judith Miller — filha de Jacques Lacan, psicanalista francês de maior influência do século XX — parte numa espécie de cruzada contra a ideia de que se pode (ou deve) apagar o “grão” de loucura que existe em cada ser humano para adaptá-lo às exigências da sociedade de consumo e produção.

Em entrevista ao GLOBO, Judith critica duramente as chamadas terapias cognitivo-comportamentais (TCC) que, segundo ela, buscam isso: “normalizar” e adaptar o comportamento das pessoas, prometendo a “felicidade”. O que bate de frente, explica, com um dos preceitos da psicanálise.


— Cada um de nós tem seu pequeno grão de loucura. Lacan anunciou no seu seminário: “todo mundo é louco”. É este grão de loucura que faz com que cada um de nós tenhamos um modo próprio de ser, de abordar as coisas, de reagir. A socialização não pode evitar isso — sustenta ela.
Judith, que não é psicanalista (é filósofa) e preside a Fundação do Campo Freudiano, desembarca no Brasil na próxima semana para participar do V Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (V Enapol) e do XVII Encontro Internacional do Campo Freudiano, que acontece dias 11 e 12 sob o tema “A saúde para todos, não sem a loucura de cada um”. Dia 9 ela estará na abertura da mostra “Às vezes, a arte”, com obras de artistas do Campo Freudiano, na Galeria Antonio Berni, em Copacabana.

Antes, no dia 8, ela participará de uma palestra na livraria Travessa do Leblon sobre o lançamento do livro “Perspectivas dos ‘Escritos’ e dos ‘Outros escritos’ de Jacques Lacan” (Zahar Editora), ao lado da editora Cristina Zahar, do psicanalista argentino Leonardo Gorostiza e Angelina Harari, assessora da coleção Campo Freudiano no Brasil. O autor do livro é o psicanalista Jacques-Alain Miller, marido de Judith e designado pelo próprio Lacan como herdeiro intelectual de sua obra e ideias. Miller reúne no livro extratos de suas aulas na Universidade de Paris VIII, de 2008 a 2009, nas quais ele defende um retorno à obra de Lacan e à “psicanálise pura”.


Judith diz que a importância desta obra é que Miller transcreve as aulas sobre Lacan num momento em que “achou necessário relembrar aos analistas lacanianos que a psicanálise aplicada, do lado terapêutico, não representa toda a psicanálise”. Miller acusa os chamados terapeutas comportamentais de tratarem as pessoas como “uma força de trabalho”. E quem não se adapta à norma acaba reduzida à categoria de “perigosa para o capitalismo”.

— Uma pessoa não pode ser reduzida a um consumidor/produtor! — revolta-se.
A psicanálise, explica a filha de Lacan, trabalha no sentido oposto: do reconhecimento e aceitação da singularidade de cada pessoa.


— Lacan inventou um dispositivo em psicanálise chamado “la passe”, através do qual se verifica que, no final de uma análise, a pessoa analisada sabe discernir qual a sua diferença absoluta em relação às outras pessoas. Ou seja: ele vai saber viver com esta diferença em sociedade — diz Judith.


A filósofa ataca também as indústrias farmacêuticas e a Organização Mundial de Saúde (OMS), por associarem saúde mental à “felicidade de todos”. A “depressão” de hoje, diz, é sobretudo “uma questão comercial”:


— Querem vender antidepressivos que colocam as pessoas num estado eufórico, quando não há razão de estar eufórico.


Aos que acreditam em “terapias rápidas que visam erradicar logo os sintomas”, Judith Miller responde com uma frase do pai da psicanálise, Sigmund Freud: sintomas rechaçados pela janela voltam pela porta. A psicanálise, diz Judith, “não promete a felicidade, mas assegura um desejo de viver esclarecido”. Aos que apelam para antidepressivos, terapias curtas e comportamentais para lidar com o sofrimento, Judith alerta:


— Cedo ou tarde, as pessoas que sofrem acham a porta aberta para fazer psicanálise.
Judith também disse que levará para o Rio de Janeiro um documentário que a chocou profundamente. Em nome do combate à delinquência, o governo francês estaria usando métodos de terapia comportamental para testar níveis de violência nas crianças — uma experiência que ela classifica de “chocante, desumana”. O documentário mostra como crianças são submetidas a um jogo truncado, no qual não há chance de ganhar. É um teste para ver como reagem diante do fracasso.


— O que fazem com as crianças é um horror! Colocam-nas numa situação que enlouqueceria qualquer ser constituído, tudo isso em nome do combate à delinquência — conta Judith."

REPORTAGEM com Judith Miller: 'Cada um de nós tem seu grão de loucura' -  Prosa & Verso: O Globo

quinta-feira, 2 de junho de 2011

ARTIGO: "O ardor e a dor de amor nas canções de Winehouse."

Opção Lacaniana online nova série
Ano 1 • Número 2 • Junho 2010 • ISSN 2177-2673

O ardor e a dor de amor nas canções de Winehouse. 1

Eliane Lima Guerra Nunes

“Poetas e romancistas são nossos aliados e seu testemunho deve ser altamente estimado, pois eles conhecem muitas coisas entre céu e terra com que nossa sabedoria escolar não poderia ainda sonhar [...]”2.

A linguagem artística, em suas diversas expressões – música, poesia, cinema, pintura, etc. - transforma emoções em sentidos para seu público, criando, assim, um laço social entre este e o artista. Para Freud, o artista tenta, através de sua obra, dar sentido ao real sem sentido buscando transmitir àqueles que a apreciam uma sensação semelhante àquela sentida por ele no momento da criação. Vemos que o artista o faz intuitivamente, buscando muitas vezes esse efeito, como nos relata o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade:
Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça
todas as mães se reconheçam
e que fale como dois olhos.
Eu preparo uma canção
Que faça acordar os Homens
e adormecer as crianças.3

Algumas obras são leituras aguçadas da época em que vivemos. A abordagem da delinquência e a toxicomania, na década de 90, pelo viés da heroína, foram exploradas por Boyle em seu filme Trainspotting4. Uma obra pode refletir o mal-estar na cultura e seus modos de gozo, dentre eles um modo peculiar de gozo na atualidade – o cínico, presente na toxicomania. Segundo Lacan, algumas obras expressam com mais clareza a vertente real do sintoma do artista, por ele grafada sinthoma, como a de Joyce, escritor inglês e minimalista, que se utiliza de l’elanguas5. Em outros, o sinthoma se exibe encarnado no corpo do artista, como vemos na body art e mesmo no suicídio durante a performance, como acentua Silva6. Mas nem sempre a tentativa de tratar o real por meio
do simbólico consegue se traduzir num saber-fazer singular, como o de Fernando Pessoa7:
O poeta é um fingidor,
finge tão completamente
que chega a fingir que é dor
a dor que deveras sente.

Referindo-se à toxicomania, Freud diz que a intoxicação pelo uso de droga surge como uma maneira eficaz de lidar com o mal-estar, proveniente das vicissitudes da vida que causam sofrimento advindo de:
[...] nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução [...]; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com os outros homens8.
A resposta dos sujeitos a esse imperativo é o que se chama de novas formas de mal-estar, que apresentam um caráter compulsivo, excessivo, próprio da busca de uma satisfação pulsional incontornável que muitas vezes pode arrastar o sujeito à própria destruição. Segundo Coelho dos Santos9, esses sintomas exibem a face do objeto pulsional da constituição subjetiva que, nos sintomas modernos ou freudianos, estariam recalcados. Sob a égide do capitalismo instaura-se um novo imperativo na cultura, pois não se trata mais de proibir. O novo mandamento superegoico é que o sujeito pode e deve gozar de tudo.
A toxicomania, como uma patologia social, é um sintoma do homem moderno que, imerso no discurso capitalista e de consumo, busca sua forma particular de obter satisfação com aquilo que tem – seu corpo, como evidencia Lacan: “ter um corpo é poder fazer alguma coisa com [...]”10. Poderíamos supor ainda que, em alguns casos, como postula Miller11, os sujeitos ditos “adictos”, artistas ou não, podem ficar atados ao seu parceiro-sintoma. O artista, como um personagem deslocado de si mesmo, pode se utilizar da linguagem para exibir seu modo singular de gozo.
Na atualidade, a compositora e cantora de jazz inglesa Amy Jade Winehouse, de 26 anos, apresenta um cancioneiro sui generis sobre o tema que nos interessa. Foi várias
vezes premiada em 2008: cantora revelação, além de mais quatro prêmios no Grammy Award12. Suas canções, seu estilo e sua voz marcam uma época na cultura global, além de exibir o discurso social sobre o abuso de drogas na atualidade. Foi-lhe negado o visto de entrada nos Estados Unidos da América para receber os prêmios acima referidos. Fez, porém, sua performance artística, ao vivo - via satélite de Londres, quando cantou a música Rehab13, de seu segundo álbum Black to Black. Essa canção sintetiza, como outras, sua visão da toxicomania e sua recusa de aceitar um tratamento convencional, de base cognitivista (terapia comportamental):
They tried to make me go to rehab
But I said 'no, no, no'
Yes, I've been black, but when I come back
You'll know-know-know
I ain't got the time
And if my daddy thinks I'm fine
He's tried to make me go to rehab
But I won't go-go-go…

Seu nome wine+house, por si só, marca seu estilo e nos faz supor uma alusão a uma vertente de seu sintoma – a toxicomania. Além de belíssimas composições e interpretações intimistas, a cantora pop põe em cena o próprio corpo, em suas diversas passagens ao ato toxicomaníacas. Seu corpo, cruelmente emagrecido e devastado pelo abuso de crack e cigarros, é exibido e capturado por imagens que, inexoravelmente, são
superfaturadas pela mídia14 que explora ao máximo seus reais Rehabs.Contudo, como compositora, Winehouse revela uma visão peculiar do feminino que encontramos na clínica contemporânea com mulheres, especialmente aquelas afetadas pela toxicomania.
A compositora traz para a cena musical temas como o lugar da mulher como objeto para o homem. Em suas canções alude à posição feminina, na qual a mulher se apresenta com aquilo que falta ao parceiro amoroso, respondendo assim aos imperativos de seu desejo, como salienta Lacan. Ressaltando ainda o que ele diz sobre o que um homem pode ser para a mulher: "não há limites às concessões que cada uma faz por um homem: do seu corpo, da sua alma, dos seus bens"15. O amor erotomaníaco da mulher e sua necessidade do homem amado, para situá-la em seu gozo ilimitado, a “depressão” advinda da dor pela perda dessa parceria amorosa com seu parceiro-devastação, o refúgio de seu mal-estar no álcool e outras drogas são temas cantados e também vividos em sua vida.
A canção What is about men alude ao seu “destino freudiano”, quando expõe o lugar da repetição em sua vida. Ela atribui sua escolha do “homem errado” à sua fixação no ódio de sua mãe, abandonada pelo marido quando ela era adolescente, e equipara esse ato a uma coisa naturalpara ela, assim como cantar:
Understand once he was a family man
so surely I would never, ever go through it
first hand
Emulate all the shit my mother hated
I can't help but demonstrate my Freudian fate
My alibi for taking your guy
history repeats itself, it fails to die
and animal aggression is my downfall
I don't care 'bout what you got I wanted all
It's bricked up in my head, it's shoved under
my bed and I question myself again: what is it
'bout men?
My destructive side has grown a mile wide…
and I question myself again: what is it 'bout
men?
I'm nurturing, I just wanna do my thing
and I'll take the wrong man as naturally as I
sing […].

Várias canções retratam a vivência da dor pela perda do parceiro amoroso como, por exemplo, “Back to Black”, uma réplica de sua relação cotidiana com o ex-marido, Blake Field:
He left no time to regret
Kept his dick wet
With his same old safe bet
Me and my head high
And my tears dry
Get on without my guy
You went back to what you knew
So far removed from all that we went through
And I tread a troubled track
My odds are stacked…
I'll go back to black
We only said good bye with words
I died a hundred times
You go back to her
And I go back to [...]

Nessa canção ela revela a devastação sentida quando o ser amado a deixa e os signos do amor ou do desejo se distanciam16. Podemos observar, tanto na música como no videoclipe, esse estado de “luto”, no qual ela se deixa voluntariamente ser aspirada pela pulsão de morte. Winehouse exibe a sua dor manifesta no próprio corpo e também, como autora, na reinvenção do ato compulsivo e repetitivo de sua relação com a droga que escolheu.
Ela delineia, em suas canções, aquilo que Lacan alude sobre como a droga promove o rompimento com o faz-pipi17 e, como uma latusa, ofertada como objeto de consumo e ilusão de completude, aspira o sujeito que, assim, acredita ter contornado a castração18. Addicted ilustra magistralmente esse casamento do sujeito com a droga, que exclui o outro:
I'm my own man so when will you learn
That you got a man but I got to burn
Don't make no difference if I end up alone
I'd rather have myself a smoke my homegrown
It's got me addicted, does more than any dick
did.
Vemos que esse gozo cínico, reflexo do discurso capitalista atual, deixa seus “doentes” encarnados como restos, segregados de si mesmos. Eles são tratados da mesma maneira pelas políticas de saúde e de saúde mental que, ao oferecerem tratamentos centrados na droga e em sua abstinência, os nomeiam de “drogaditos”, excluindo do sujeito aquilo que nele faz sintoma.
A capacidade da cantora de se reiventar, no meio de toda a sua realidade, torna-se evidente e permite construir, além de mais um capítulo de sua biografia, uma saída para esse gozo solitário. A arte pode construir um laço social, entre a obra do artista e seu público, mediado pelo Outro, como diz Lacan: “No desatino de nosso gozo só há o Outro para situá-lo [...]”19.
A arte e seu poder de transformar o sintoma, através de bem-dizê-lo20, permite ao sujeito nomear-se “artista”, transmutar-se e inventar para si um nome, como Joyce
(Lacan, 2007). Antecipa-se assim à análise, pois, além de transmitir um saber avant la lettre21, pode ser uma ponte para a construção do sujeito na sua análise individual ou
mesmo em uma prática entre vários (o analista, o terapeuta ocupacional e as diversas oficinas de arte), segundo Di Ciaccia22.
A arte pode ser um norte para a busca de uma identidade além daquela postulada pela ciência em busca de um ideal esterilizante de normalidade, pois como canta Caetano Veloso: “de perto ninguém é normal”23.
Cabe agora aos analistas traduzir para a sua arte – a de psicanalisar – o que os artistas nos revelam, como Gullar24 em seu poema “Traduzir-se”:
Uma parte de mim é multidão;
outra parte estranheza e solidão.
Uma parte de mim é só vertigem;
outra parte, linguagem.
Traduzir uma parte na outra parte
que é uma questão de vida ou morte
Será arte?
1 Artigo apresentado no Encontro entre Cartéis da Escola Brasileira de
Psicanálise – Seção São Paulo, em 2010.
2 Freud, S. (1980[1906-1907]). “Delírios e Sonhos na Gradiva de
Jansen”. In Edição Standard Brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Editora, vol. IX,
pp.14-88.
3 Drummond de Andrade, C. (1969). Reunião. Rio de Janeiro: Editora José
Olympio.
4 Boyle, D. (1996). Trainspotting. [Filme]. Inglaterra. DVD, 16mm., 90
min. color. son.
5 Lacan, J. (2007[1975-1976]). O seminário, livro 23: o sinthoma. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. 14. Lacan se utiliza dos escritos de
Joyce, especialmente da obra Ulisses, para descrever os efeitos da
linguagem ao discorrer sobre a lalação-lalíngua.
6 Silva, P. (2006). “O ataque ao corpo na body art”. Disponível em:
http://www.iar.unicamp.br/extensao/aperfartesvisuais/priscilla01.pdf.
7 Pessoa, F. (1980). O Eu Profundo e os Outros Eus. Rio de Janeiro:
Editora Nova Fronteira.
8 Freud, S. (1980[1929]). “O Mal-estar na civilização”. Op. cit., vol.
XXI, pp. 81-178.
9 Coelho dos Santos, T. (2001). Quem precisa de análise hoje? Rio de
Janeiro: Editora Bertrand.
10 Lacan, J. (2003[1974]). “Joyce, o Sintoma”. In Outros Escritos. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., p. 562.
11 Miller, J.-A. (2000). “A teoria do parceiro”. In Os circuitos do
desejo na vida e na análise. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria.
12 Grammy Award é um prêmio da indústria musical internacional
presenteado anualmente pela National Academy of Recording Arts and
Sciences, nos Estados Unidos da América, honrando conquistas na arte
de gravação musical e provendo suporte à comunidade da indústria
musical. Disponível em: http://www.grammy.com/videos/50th-annualgrammy-
awards-record-of-the-year. Winehouse foi premiada com a
gravação e canção do ano, artista revelação, melhor álbum Pop e melhor
interpretação vocal feminina pop.
Opção Lacaniana Online O ardor e a dor de amor
8
13 Site official de Winehouse. Disponível em: www.amywinehouse.co.uk.
14 Várias reportagens sobre a cantora foram realizadas pelo Daily Mail
Online, na secção TV&Showbiz. Disponível em:
http://www.dailymail.co.uk/tvshowbiz/article-1249013/Amy-Winehouse-
Maybe-Im-Amys-problem-Mitch-Winehouse-comes-clean.html.
15 Lacan, J. (2003[1974]). Op. cit.
16 Nunes, E. (2008). “Adolescência e corpo: a prostituição e o abuso de
droga como sintoma”. Tese de doutorado, Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, São Paulo. Inédito.
17 Lacan, J. (1976). “Discours pendant la séance de clôture”. In
Journées des cartels del'École freudienne de Paris. Paris: Lettres de
l'Ecole freudienne (18), pp. 263-270.
18 Idem. (1992[1969-1970]). O seminário, livro 17: o avesso da
psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
19 Idem. (2003[1974]). Op. cit.
20 Idem. (1977[1976]). "Ouverture de la Section clinique". In Ornicar?
(9). Paris, p. 13. E em: Lacan, J. (1977[1976]). "Seminário, L'insu
que sait de l'une-bévue s'aile à mourre". In Ornicar? (12/13). Paris.
21 Idem. (2007[1975-1976]). Op. cit.
22 Di Ciaccia, A. (1998). "De la fondation par Un à la pratique à
plusieurs". In Préliminaire (9/10), pp. 17-22.
23 Veloso, C. Trecho da música Vaca Profana: “Dona das divinas tetas /
Quero teu leite todo em minha alma / Nada de leite mau para os caretas
/Mas eu também sei ser careta/ De perto, ninguém é normal[...]”.
24 Gullar, F. (1981). Literatura Comentada. São Paulo: Editora Abril.

Música: REHAB (legendada)


Música: BACK TO BLACK (legendada)


Música: ADDICTED (legendada)