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sábado, 4 de junho de 2011

Judith Miller: 'Cada um de nós tem seu grão de loucura' - Prosa & Verso: O Globo

"No mundo de hoje, em que a indústria farmacêutica vende antidepressivos como bombons e proliferam métodos prometendo “cura” rápida dos problemas, Judith Miller — filha de Jacques Lacan, psicanalista francês de maior influência do século XX — parte numa espécie de cruzada contra a ideia de que se pode (ou deve) apagar o “grão” de loucura que existe em cada ser humano para adaptá-lo às exigências da sociedade de consumo e produção.

Em entrevista ao GLOBO, Judith critica duramente as chamadas terapias cognitivo-comportamentais (TCC) que, segundo ela, buscam isso: “normalizar” e adaptar o comportamento das pessoas, prometendo a “felicidade”. O que bate de frente, explica, com um dos preceitos da psicanálise.


— Cada um de nós tem seu pequeno grão de loucura. Lacan anunciou no seu seminário: “todo mundo é louco”. É este grão de loucura que faz com que cada um de nós tenhamos um modo próprio de ser, de abordar as coisas, de reagir. A socialização não pode evitar isso — sustenta ela.
Judith, que não é psicanalista (é filósofa) e preside a Fundação do Campo Freudiano, desembarca no Brasil na próxima semana para participar do V Encontro Americano de Psicanálise de Orientação Lacaniana (V Enapol) e do XVII Encontro Internacional do Campo Freudiano, que acontece dias 11 e 12 sob o tema “A saúde para todos, não sem a loucura de cada um”. Dia 9 ela estará na abertura da mostra “Às vezes, a arte”, com obras de artistas do Campo Freudiano, na Galeria Antonio Berni, em Copacabana.

Antes, no dia 8, ela participará de uma palestra na livraria Travessa do Leblon sobre o lançamento do livro “Perspectivas dos ‘Escritos’ e dos ‘Outros escritos’ de Jacques Lacan” (Zahar Editora), ao lado da editora Cristina Zahar, do psicanalista argentino Leonardo Gorostiza e Angelina Harari, assessora da coleção Campo Freudiano no Brasil. O autor do livro é o psicanalista Jacques-Alain Miller, marido de Judith e designado pelo próprio Lacan como herdeiro intelectual de sua obra e ideias. Miller reúne no livro extratos de suas aulas na Universidade de Paris VIII, de 2008 a 2009, nas quais ele defende um retorno à obra de Lacan e à “psicanálise pura”.


Judith diz que a importância desta obra é que Miller transcreve as aulas sobre Lacan num momento em que “achou necessário relembrar aos analistas lacanianos que a psicanálise aplicada, do lado terapêutico, não representa toda a psicanálise”. Miller acusa os chamados terapeutas comportamentais de tratarem as pessoas como “uma força de trabalho”. E quem não se adapta à norma acaba reduzida à categoria de “perigosa para o capitalismo”.

— Uma pessoa não pode ser reduzida a um consumidor/produtor! — revolta-se.
A psicanálise, explica a filha de Lacan, trabalha no sentido oposto: do reconhecimento e aceitação da singularidade de cada pessoa.


— Lacan inventou um dispositivo em psicanálise chamado “la passe”, através do qual se verifica que, no final de uma análise, a pessoa analisada sabe discernir qual a sua diferença absoluta em relação às outras pessoas. Ou seja: ele vai saber viver com esta diferença em sociedade — diz Judith.


A filósofa ataca também as indústrias farmacêuticas e a Organização Mundial de Saúde (OMS), por associarem saúde mental à “felicidade de todos”. A “depressão” de hoje, diz, é sobretudo “uma questão comercial”:


— Querem vender antidepressivos que colocam as pessoas num estado eufórico, quando não há razão de estar eufórico.


Aos que acreditam em “terapias rápidas que visam erradicar logo os sintomas”, Judith Miller responde com uma frase do pai da psicanálise, Sigmund Freud: sintomas rechaçados pela janela voltam pela porta. A psicanálise, diz Judith, “não promete a felicidade, mas assegura um desejo de viver esclarecido”. Aos que apelam para antidepressivos, terapias curtas e comportamentais para lidar com o sofrimento, Judith alerta:


— Cedo ou tarde, as pessoas que sofrem acham a porta aberta para fazer psicanálise.
Judith também disse que levará para o Rio de Janeiro um documentário que a chocou profundamente. Em nome do combate à delinquência, o governo francês estaria usando métodos de terapia comportamental para testar níveis de violência nas crianças — uma experiência que ela classifica de “chocante, desumana”. O documentário mostra como crianças são submetidas a um jogo truncado, no qual não há chance de ganhar. É um teste para ver como reagem diante do fracasso.


— O que fazem com as crianças é um horror! Colocam-nas numa situação que enlouqueceria qualquer ser constituído, tudo isso em nome do combate à delinquência — conta Judith."

REPORTAGEM com Judith Miller: 'Cada um de nós tem seu grão de loucura' -  Prosa & Verso: O Globo

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