Autora: Flavia Bonfim
Em “A dissolução do Complexo de Édipo” (1924), Freud foi categórico ao colocar o Édipo como o fenômeno fundamental no desenvolvimento da sexualidade infantil. Nesse processo, ele reconheceu dois pontos cruciais no que diz respeito à estruturação sexual de ambos os sexos: 1) a mãe é o primeiro objeto de amor da criança e 2) a hipótese da primazia fálica.
1) A mãe como objeto de amor da criança:
A mãe é investida de desejos sexuais tanto pela menina quanto pelo menino, já que é ela quem desperta na criança suas primeiras sensações prazerosas através dos cuidados oferecidos ao bebê. Nesse período, o pai, independentemente do sexo da criança, como nos diz Freud, é a penas um rival incômodo. Podemos supor que, para o menino, aí estão estabelecidas as raízes de seu complexo de Édipo – o amor dirigido ao genitor do sexo oposto. Todavia, para a menina o mesmo não ocorre. Mais tarde, seu arranjo amoroso mostra-ser-á diferente e ela poderá assumir seu pai como seu objeto de amor, entrando, assim, no complexo de Édipo.
2) A primazia do falo:
Freud afirma, em “Organização Genital Infantil”, que “o que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo” (1923, p.158, grifo do autor). Ou seja, na fase fálica, a criança de ambos os sexos conhece apenas um tipo de órgão sexual, o masculino. Isso nos leva a consideração de que não há registro no inconsciente do Outro sexo. Freud (1923) escreve que, nesta fase, existe a masculinidade, mas não a feminilidade; a antítese é entre fálico e castrado.
Inicialmente, a menina não faz distinção entre os sexos e até mesmo ignora a existência de seu próprio órgão sexual, a vagina. A esse respeito, Freud diz que “por muitos anos, a vagina é virtualmente inexistente e, possivelmente, não produz sensações até a puberdade” (1931, p. 236) Para a menina, seu clitóris se comporta como um pênis, atribuindo a este o mesmo valor que o menino confere a seu órgão.
COMPLEXO DE ÉDIPO E DE CASTRAÇÃO NOS MENINOS:
MENINOS: COMPLEXO DE ÉDIPO g COMPLEXO DE CASTRAÇÃO
A fase fálica nos meninos é contemporânea ao Complexo de Édipo e nela, o interesse dele por seu órgão genital reflete-se no seu comportamento de masturbação, associando-se as fantasias incestuosas em relação à mãe. A esse respeito, Freud observa que neste caso a “masturbação constitui apenas uma descarga genital da excitação sexual pertinente ao complexo [...]” (1924, p. 195-196) Porém, não demora muito para que proibições contra a masturbação surjam por parte dos adultos e apareçam ameaças de que essa parte tão valorizada do seu corpo lhe será tirada por uma figura paterna encarnada.
Freud (ibid.), porém, não acredita que tal ameaça de castração leve a destruição da organização fálica no menino. É somente após se deparar com a ausência de pênis nas mulheres, que o menino sente-se ameaçado e constata que pode também vir a ser castrado. As ameaças verbais que a criança sofre, visando proibir suas práticas auto-eróticas e fazer com que ele renuncie as suas fantasias incestuosas, juntam-se a visão do corpo da mãe castrado, ganhando significação, e ecoam para o menino como uma ameaça de castração. Nas palavras de Freud: “Com isso, a perda de seu próprio pênis fica imaginável e a ameaça de castração ganha um efeito adiado.” (ibid., p. 195)
A ameaça de castração no menino visa o pênis, mas suas implicações incidem sobre a fantasia dele de um dia vir a tomar o lugar do pai ao conseguir possuir seu objeto amado - a mãe. Freud (ibid.) observa que diante de tal conjuntura surge um conflito: é preciso escolher entre a satisfação amorosa edípica e seu interesse narcísico por um órgão tão valorizado. Escolher a preservação de seu pênis, é o mesmo que dizer que ele renuncia a mãe para ter acesso a outras mulheres, para ter acesso a sua sexualidade.
Assim, o complexo de Édipo é recalcado e as catexias em relação ao objeto são abandonadas. No livro O Eu e o Isso (1923 a), Freud estabelece que quando o isso é forçado a abandonar um objeto sexual, o eu é alterado por meio da introjeção desse objeto dentro dele. Segundo Freud, isso seria uma maneira de tornar mais fácil - inclusive, a única possível - para o isso vir a abandonar suas catexias objetais. Logo, o abandono das catexias envolvidas no Complexo de Édipo também serão alvo dessa introjeção, vindo a formar um precipitado eu, que constituirá o núcleo do supereu. Este é herdeiro do complexo de Édipo. Mais especificamente o menino introjeta a autoridade paterna, a lei de proibição contra o incesto, que defenderá o eu do retorno dessa catexia libidinal. A posição do supereu é de severidade sobre o eu, sendo fonte de forte sentimento de culpa.
COMPLEXO DE ÉDIPO E DE CASTRAÇÃO NOS MENINAS:
MENINAS: COMPLEXO DE CASTRAÇÃO g COMPLEXO DE ÉDIPO
A entrada no Édipo, no caso da menina, só possível se for precedido pelo afastamento da mãe. Retornando a questão do amor da criança pela mãe, Freud aponta que este é intenso e ambivalente. Por esse motivo está fadado à dissolução, pois é muito mais sensível aos desapontamentos e frustrações. Além disso, tal amor é incapaz de obter satisfação completa, logo, cede lugar a uma atitude hostil.
No artigo sobre a “Sexualidade Feminina” (1931), Freud enumera os motivos que levam a menina a se afastar da mãe: ciúmes, o desmame, a incapacidade de obter satisfação amorosa em relação à mãe, a idéia de não ter sido amamentada e amada suficientemente, as proibições à masturbação por parte da mãe. Nesse momento, poderíamos pensar: “Por que não ocorre o mesmo afastamento em relação à mãe com o menino? Freud explica mais definitivamente esse afastamento por meio da castração. Vejamos:
Inicialmente, a menina encara a castração como um infortúnio particular e só mais tarde compreenderá que ela se estende a outros seres. Contudo, é com a percepção da ausência do órgão genital masculino na mãe que a menina reconhece a castração materna e constata, assim, efetivamente sua própria castração. Com isso, ela passa a descontar na mãe todo o seu ódio, na medida em que acredita que ela é culpada por tê-la feito menina, ou seja, por tê-la feito sem a força fálica. Além disso, a menina passa a desprezar a mãe, pois supõe que esta não soube lhe ensinar a valorizar o seu corpo de mulher. Não obstante, com a descoberta da castração materna, a menina é levada a separar-se da mãe - já que o amor era dirigido à mãe enquanto ser fálico - e tomar o pai como seu novo objeto de amor.
Antes de se perceber castrada, nos diz Freud (1932), a menina vivia de modo masculino obtendo prazer da excitação de seu clitóris. Tal atividade era mantida por desejos sexuais dirigidos à mãe. A menina desfrutava, assim, de uma sexualidade fálica. No entanto, após a constatação de sua castração, seu desenvolvimento ganhará novos contornos e poderá ser marcado por diferentes destinos, caracterizados por caminhos que podem conduzir à: 1) inibição sexual; 2) modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinidade; 3) feminilidade normal. (FREUD, 1931, 1932) Assim, percebemos, como Freud fez questão de afirmar, que a descoberta de sua castração é um marco decisivo no desenvolvimento da mulher.
No primeiro e no terceiro caso, observa-se que após a comparação do seu clitóris com o órgão masculino, a menina se vê tomada pelo desejo de ter um pênis e renuncia através de grande esforço a satisfação masturbatória que obtinha com seu clitóris. Não obstante, ela passa também a repudiar o amor que nutria por sua mãe, já que seu amor estava dirigido a uma mãe fálica, e começa a apresentar sentimentos hostis em relação a ela – como já foi sinalizado. Simultaneamente ao abandono da masturbação clitoridiana, a menina também repudia determinada soma de atividade, assumindo uma posição menos ativa e dirigindo impulsos pulsionais passivos ao pai. Nota-se, desse modo, que durante seu desenvolvimento, a atividade fálica que a menina vinha apresentando é removida em parte, abrindo caminho para a feminilidade. Freud aponta que a anormalidade no curso do desenvolvimento da menina implicaria numa repulsa geral da sexualidade, ou seja, diria respeito ao primeiro caso - inibição. (FREUD, 1931,1932)
Ao tomar o pai como novo objeto amoroso, o desejo da menina originalmente está centrado na tentativa de que ele lhe dê um pênis, atributo que lhe foi recusado pela mãe. Contudo, a situação feminina “normal” só se concretiza se o desejo de possuir um pênis for substituído pelo desejo de ter um bebê. Assim, a busca pelo pai se dá tanto porque ele é o suposto portador do falo, como porque ele é capaz de dar um filho como substituto simbólico fálico.
Já na fase fálica, a menina demonstrava o interesse por ter um bebê – visível no seu gosto pelo brincar com bonecas. Contudo, o brincar observado até então não era ainda a expressão de sua feminilidade, mas uma forma de identificação com sua a mãe. A menina brinca de ser a mãe e a boneca é ela própria, podendo, assim, fazer com a sua boneca tudo o que sua mãe lhe obrigava a fazer. É somente com a emergência do desejo de ter o falo, que o brincar de terá um novo significado para a menina. Sobre isso, nos diz Freud:
Não é senão com o surgimento do desejo de ter um pênis que a boneca-bebê se torna um bebê obtido de seu pai e, de acordo com isso, o objetivo do mais intenso desejo feminino... Assim, o antigo desejo masculino de posse de um pênis ainda está ligeiramente visível na feminilidade alcançada desse modo. Talvez devêssemos identificar esse desejo do pênis como sendo, por excellence, um desejo feminino. (1932, p. 128)
Convém lembrar que, desde 1924, está registrado por Freud que a menina tomando-se como castrada, tem como preparação para o papel posterior feminino a marca inconsciente do desejo de possuir um pênis compensado pela equação simbólica: pênis = filho. Nota-se, então, uma ligação muito próxima entre feminilidade e maternidade. Por outro lado, como aponta Recalde (2008), o desejo do falo não se resolve quando a mulher torna-se mãe, ou ao eleger um parceiro (suposto tê-lo), pois o falo não é o órgão masculino. Estas são apenas maneiras imaginárias com objetivos inoperantes de suturar uma falta irredutível.
No segundo caminho que poderia vir a seguir - a saber, um intenso complexo de masculinidade – a menina recusa se deparar com a realidade indesejada e é tomada pelo penisneid (inveja do pênis). O penisneid, diferentemente do desejo de possuir um pênis, bloqueia o acesso à feminilidade e, desse modo, a menina passa a exagerar em sua masculinidade que estava presente desde a fase fálica; apega-se a sua atividade clitoriana e refugia-se numa identificação com sua mãe - que, para ela, ainda se mostra fálica - ou com seu pai. A criança, assim, concentra-se na fantasia de ser um homem, evitando o aparecimento da passividade, que seria responsável pela mudança rumo à feminilidade, e assume uma posição homossexual. Cabe aqui assinalar outro apontamento freudiano sobre o homossexualismo feminino. Para Freud, essa escolha sexual raramente, ou nunca, é um prolongamento direto do período no qual a menina assumia uma posição masculina. Freud acredita que a entrada no complexo de masculinidade é precedida pelo ingresso da menina na situação edipiana propriamente dita, onde o pai é tomado como no objeto de amor. Contudo, nos diz ele, em função de um desapontamento com o pai, a menina retorna a posição masculina anterior. (FREUD, 1932, p. 129)
REFERÊNCIAS: