Reflexões psicanalíticas sobre o “Transtorno de Pânico”
Por Flavia Bonfim
Atualmente,
temos observado a descrição pela psiquiatria de novos diagnósticos, como por
exemplo, o Transtorno de pânico, dando-nos a impressão que existiriam sintomas
propriamente contemporâneos. Essas novidades sintomatológicas nos impõem uma
questão, como assinala Nicéas, em seu artigo “Pânico e Angústia”: “Mudaram os sintomas?” E ele próprio
responde: “Afirmar que hoje em dia já não
existem pacientes como aqueles que procuravam Freud para um tratamento
analítico não implica, logicamente, que se leia na queixa de todo paciente
atual uma nova formação de sintomas inéditos para a psicanálise.” (2000, p.91)
Nicéas
continua e afirma que não existe equivalência entre queixa e sintoma. As novas
queixas são expressões contemporâneas do mal-estar na civilização, contudo, o
efeito dessa mudança não possibilita o surgimento daquilo que a psicanálise
chama de sintoma, visto que este diz de uma estrutura clínica. Afirmar tal proposição
é reconhecer que o sintoma faz parte do laço social e traz as marcas de seu
tempo, podendo se “rejuvenescer” e tomar as formas de sua época. De outro modo,
podemos dizer que são maneiras novas de os antigos sintomas aparecerem - uma
nova roupagem.
Desse
modo, podemos afirmar que o Transtorno de pânico também não é um sintoma
inédito para a psicanálise. Muito pelo contrário, ele já havia sido descrito
por Freud desde 1895, porém com uma outra nomenclatura, a saber, Neurose de
Angústia.
Assim,
partindo das formulação freudianas sobre a angústia e chegando as
contribuições de Lacan sobre o assunto, proponho refletir através da
psicanalise sobre o que tem sido chamado de Transtorno de Pânico, bem como
assinalar a visão psiquiátrica sobre esse transtorno e os motivos que levaram a
mesma a propor a invenção desse novo diagnóstico.
Teorias freudianas sobre a angústia
Nicéas (2000)
apresenta o percurso freudiano sobre
a angústia a fim de tentar articulá-lo sobre o que hoje em dia tem sido chamado
de Transtorno de Pânico. Ele assinala que a interrogação sobre a angústia é
precoce em Freud. Em 1994, Freud relacionou angústia e sexualidade. Nessa
época, ele também pensava sobre a
neurastenia, afirmando que, assim como a neurose de angústia, ambas tinham
origem em uma insatisfação proveniente de uma excitação sexual somática
excessiva sem nenhuma representação psíquica. Entretanto, em 1895, Freud
separou a neurose de angústia da neurastenia e procurou delimitar essa
diferença em termos fenomenológicos.
Assim,
Rabacov (2005), em seu artigo a “Psicanálise e o transtorno de pânico”,
descreve o quadro clínico da Neurose de angústia, tal como Freud propõe, por
meio dos seguintes sintomas:
§ Irritabilidade Geral
§ Expectativa angustiada – núcleo da neurose e aspecto
que a distingue da neurastenia.
§ Ataque de angústia – pode apresentar sozinha ou
misturada à fantasias de morte ou de enlouquecimento.
§ Parestesias e alterações de várias funções corporais
como respiração, atividade cardíaca e inervação vasomotora.
Nesse período, Freud pensava que o acesso
de angústia era uma descarga de excitação sexual física acumulada não
satisfeita pela via genital que não podia ser elaborada, entretanto, com o tempo percebeu que obter
satisfação sexual não era suficiente para curar o quadro de angústia e que os
sintomas de angústia derivam do mesmo modo que as psiconeuroses de defesa, ou
seja, de uma fantasia. Em 1909, Freud retoma novamente a discussão sobre a
angústia com o caso Hans.
Freud postulava que Hans apresentava um
quadro de histeria de angústia. Esta tinha semelhança estrutural com a
histeria, contudo, o afeto, ao invés de ir para o corpo provocando uma conversão,
ficava livre, podendo se ligar a um objeto fóbico. Freud dizia que a histeria
de angústia se desenvolvia mais no sentido da fobia. Esta era compreendida como
uma forma de canalizar a angústia e um trabalho psíquico para ligar a angústia
que se tornou livre.
A partir do caso Hans, Freud formula sua
primeira teoria da angústia, no qual a articulou com o complexo de
castração. Freud propunha que o medo de
cavalo de Hans tenha sido causado por uma superexcitação sexual devida à
ternura de sua mãe e que o cavalo representava seu pai e medo do animal se
relaciona com a ameaça de punição sofrida pelos maus desejos que ele nutria
contra o pai. Para Freud, a ansiedade
correspondia a um forte anseio reprimido e como toda ansiedade não tinha um
objeto. Mas foi durante um passeio que o medo de que o cavalo o mordesse
surgiu. Assim, a ansiedade encontrou um objeto.
Observando as proposições freudiana sobre
o caso, Nicéas escreve: “De uma
aproximação do objeto fóbico com o pai da criança, Freud extrai o essencial de
sua análise da fobia: a permanência do recalque do objeto verdadeiro da
angústia, a castração pelo pai, que a resposta fóbica havia canalizado para um
objeto de substituição, o cavalo.” (2000, p.100) Nesse ponto, Freud passa a
afirmar, então, que o recalque é o gerador da angústia. E aí está sua primeira
teoria da angústia.
Mais tarde, Freud torna a refletir sobre
essa temática e, em 1926, no artigo “Inibição, sintoma e angústia”, ele
assinala que angústia é um sinal de alarme dado pelo eu e que provoca a fuga
pelo sintoma. O perigo é propriamente a ameaça de castração. Esse artigo passa
a ser o marco de sua virada na teoria sobre a angústia. Nele, ele pontua que o
afeto da angústia não tem origem no recalque, mas no próprio recalacante. A
angústia deriva-se da castração e é ela que produz o recalque e não o
contrário.
A visão psiquiátrica do Transtorno de Pânico
Mauro
Rabacov (2005) afirma que, segundo Kaplan, Freud foi o primeiro a reconhecer e
introduzir o conceito de Neurose de angústia, constituindo uma mescla de
sintomas agudos e crônicos. Sendo que o quadro agudo apresenta uma grande similaridade
com o Transtorno de pânico, tal como aparece nos manuais de psiquiatria.
Em 1980,
o DSM III abandonou o diagnóstico da neurose de angústia e adotou o de
Transtorno de pânico. Até esse momento, segundo Nicéas (2000), havia uma
“conversa” entre psiquiatras e psicanalistas, pois a psiquiatria apoiava-se em
Freud para falar do quadro clínico de angústia, apesar do tratamento oferecido
ser bem distinto. Com essa mudança de nomenclatura, a psiquiatria fez um
recorte de fatos clínicos e propôs uma reformulação dos quadros de ansiedade.
De
acordo com o DSM IV, o diagnóstico do
Transtorno de Pânico é dado quando há um ataque de pânico seguido de um mês de
preocupação com a possibilidade de ter um novo ataque. O ataque de pânico
caracteriza-se por um período de intenso temor ou desconforto no qual 4 dos
seguintes sintomas desenvolvem-se abruptamente e alcançam pico em 10 minutos.
Eis os possíveis sintomas:
§ Taquicardia
§ Sudorese
§ Tremores
§ Sensação de falta de ar
§ Desconforto
§ Dor
§ Náusea
§ Tontura, vertigem
§ Desrealização ou despersonalização
§ Medo de morrer e/ou de enlouquecer
§ Parestesias
§ Calafrios
Para a psiquiatria, os sintomas do
transtorno de pânico estão ligados a um grupo de alterações na estrutura e
função cerebral, envolvendo o sistema nervoso e periférico. Nessas alterações,
situam os neurotransmissores envolvidos: a noradrenalina e serotonina. Além
disso, acreditam que há fatores genéticos envolvidos.
Nicéas (2000) aponta, baseando-se em Mário
Costa Pereira, que a invenção desse novo
diagnóstico psiquiátrico se deu em função de um observação clínico
experimental, que tomou como referência os trabalhos realizados pelo psiquiatra
americano Donald Kein. Este realizou uma pesquisa com o medicamento imipramina,
utilizando-o em pacientes com ansiedade crônica e aguda, que constituiam dois
grupos, respectivamente. Nesse experimento, ele observou que a imipramina era
eficaz no tratamento de pacientes acometidos com crises de angústia agudas,
repentinas e inexplicáveis, não obtendo o mesmo resultado com o outro grupo.
Por outro lado, com tranqüilizantes habituais, a resposta não era positiva nos
grupos com crises agudas.
Costa Pereira observa que a “dissociação
farmacológica” possibilitou a criação de uma entidade nosológica que
corresponderia a esses novos dados empíricos, que demostra a tendência da
psiquiatria a fazer recortes clínicos. Ou seja, de uma dissociação
farmacológica no tratamento da angústia, cria-se, então, duas entidades
nosológicas: o Transtorno de pânico e o Transtorno de Ansiedade generalizada.
Considerações
lacaniana sobre a angústia
Para
Lacan (1962-63), a angústia é estrutural, logo, relaciona-se com a constituição
do sujeito. Desse modo, para falar da angústia no sujeito, Rabacov (2005) parte
do que está em jogo nessa constituição.
O
sujeito surge imerso no campo do Outro e é efeito de duas operações: alienação
e separação. Na alienação, partimos da união de dois conjuntos: o do ser e o do
Outro (sentido). O sujeito emerge, então, a partir de uma escolha forçada entre
o ser e o sentido, no qual é necessário optar pelo sentido, pois este remete ao
Outro da linguagem que constitui o sujeito. Por sua vez, ao escolher o sentido,
há uma perda do ser, já que o sujeito advém de outro lugar que não de si mesmo.
É em função disso que podemos dizer que o sujeito surge em sua falta-a-ser como
efeito do significante. (LACAN, 1964)
Na
separação, há a interseção entre os conjuntos do ser e o do Outro. Na
interseção, contudo, não existe nada; é um lugar vazio, onde o sujeito terá
sido objeto do desejo do Outro. Aqui, se dá o recobrimento de duas faltas: a do
sujeito e a do Outro. O encontro com a falta do Outro, com o desejo do Outro,
abre a possibilidade ao sujeito de se identificar com esta falta e ocupar,
inicialmente, o lugar do objeto que falta ao Outro, pois esta é a maneira como
o sujeito tenta se situar diante do desejo enigmático do Outro. (LACAN, 1964)
Entretanto,
o sujeito constata nessa relação um desencontro - o Outro deseja além dele; o
sujeito não consegue tamponar o desejo do Outro. Isso permite ao sujeito sair
do lugar de objeto e escolher por se tornar desejante. As conseqüências dessa
operação é um resto, que é o objeto a -
causa do desejo. (LACAN, 1964)
É na
tensão entre o sujeito e o objeto a que podemos situar a angústia. Esta é
testemunha do objeto real que está em causa no sujeito. Rabacov (2005) a
descreve como um sinal de perigo vindo de um lugar onde o sujeito desconhece,
inarticulável, ponto de inflexão da cadeia significante. A angústia é o índice
da presença do objeto a. Isso porque
desvela a falta, a incompletude, o furo, o desejo enigmático do Outro, a
ausência da relação sexual. No centro da angústia está a dimensão da falta.
Falta, esta, impossível de ser tamponada por nenhum objeto.
Assim, podemos dizer que a angústia é estrutural;
ela provém daquilo que está para todo sujeito – o objeto causa do desejo e a
dimensão da falta. Contudo, ela pode estar mais intensa no sujeito tal como nos
denuncia no ataque de pânico quando o encontro com o real, com o furo, é
excessivo.
BIBLIOGRAFIA:
- LACAN,
Jacques. Seminário 10 – A
angústia (1962-63). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005.
- ______ Seminário 11 – Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
- NICEAS, C. A.
Pânico e angústia. In: Latusa – Rio de Janeiro: Revista da
Escola Brasileira de Psicanálise, no 4/5,2000.
- RABACOV, M. “A
psicanálise e o transtorno de pânico”. In: O objeto da angústia. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005.