Por Flavia Bonfim
A
depressão não existe enquanto uma estrutura clínica, nem sequer constitui um “sintoma”
propriamente dito para a psicanálise. Em Inibições,
sintomas e angústia, Freud (1926) afirma que a depressão é uma inibição
generalizada. A inibição implica em uma
restrição do funcionamento do eu. Neste livro, Freud nos dá vários exemplos de
inibições: da função sexual, da função da nutrição, da locomoção (indisposição
e fraqueza) e do trabalho intelectual. Por ser a depressão uma inibição
generalizada, podemos reconhecer todas essas inibições e muitas outras nos
deprimidos.
Bittencourt
(1997) assinala que sob a denominação depressão “estão designadas modalidades
diferentes de expressão do sofrimento do sujeito” (ibid., p. 285) Diferentemente
da tendência atual, a psicanálise não usa o rótulo de depressão para as mais
variadas situações psíquicas. Atualmente, a qualquer sinal de tristeza, o
sujeito já se diz deprimido ou é diagnosticado com tal quadro. Contudo, não
podemos negar o número crescente de sujeitos em estados deprimidos na sociedade
contemporânea. Segundo Bittencourt (ibid.), isso se justificaria pela própria
característica da sociedade que vem promovendo a felicidade como objeto de
consumo, excluindo o lugar para a falta, dificultando, assim, que os sujeitos
se deparem com a perda. A autora salienta também que colocar a depressão como
uma “doença” é uma maneira de instalar o sujeito no lugar de vítima das
vicissitudes da vida, desresponsabilizando o sujeito da dor de existir. Isso
implica em assinalar ao sujeito que ele não tem nada a fazer por si a não ser
usar os medicamentos apropriados para curar esse mal, que é um modo de
negligenciar a causalidade psíquica existente no fenômeno da depressão. Isso
não quer dizer que a medicação não seja indicada e necessária em alguns casos.
Jimenez
(1997) escreve que a depressão é o contrário do luto, na medida em que este é
um trabalho espontâneo do simbólico. Na depressão, lidamos com um luto
congelado, eternizado, pela falta de trabalho de elaboração. Ou seja, o sujeito
encontra dificuldades para se referenciar na perda, não querendo se reconhecer
como um sujeito faltoso, pois isso implicaria em remetê-lo à castração.
O
luto, em oposição à depressão, implica em conhecer, como assinala Freud (1917),
que o objeto amado não existe mais, cabendo ao sujeito se perguntar se deseja
partilhar do mesmo destino. Se essa questão for evitada, nos escreve Jimenez
(1997), “a tristeza se eterniza e se torna depressão”. (p. 201)
Convém neste momento fazermos uma distinção entre
luto e a depressão. Mas antes comecemos com suas semelhanças. Esses estados se
caracterizam por uma profunda tristeza, pela diminuição do interesse no mundo
externo e pela inibição de todas as funções do eu. Entretanto, observamos no
luto uma diferença radical: “A perturbação da auto-estima não está presente no
luto; afora isso, porém as características são as mesmas” (FREUD, 1915, p. 250)
Na depressão, nos deparamos com a baixa auto-estima, as auto-acusações e
auto-humilhações.
A depressão pode ser
suscitada por uma perda, contudo, pode ocorrer do sujeito nem saber o que
perdeu. Ou quando sabe quem perdeu, nos afirma Freud, ele não “sabe o que
perdeu nesse alguém.” (ibid., p. 251) Freud argumenta que o “objeto talvez não
tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor.”
(ibid., p. 251)
Jimenez (1997), então,
considera que na depressão a pessoa amada foi colocada no lugar de depositário
de Ideal do Eu. Bittencourt (1997)
acrescenta que o estado depressivo é um efeito do confronto com a falta, com o
buraco no Outro. Um buraco irreparável que leva o sujeito a remanejar suas
identificações imaginárias com as quais tentava preencher sua própria falta.
Jimenez (1997), citando Lacan, define
a depressão “como um pecado, uma covardia moral frente ao dever do Bem Dizer,
de se referenciar na estrutura, o que seria equivalente a se reconhecer
desejante.” (p. 202) Como já foi assinalado, o deprimido se entristece quando
perde aquele ou aquilo que estava como depositário do Ideal do Eu, quando se
depara com a falta no Outro. O deprimido agarra-se ao Outro, colocando-o no
lugar de onipotência, num lugar idealizado. Diante dessa suposta onipotência e
perfeição atribuída ao Outro, só resta ao deprimido se sentir sem valor,
incapaz. O deprimido está preso a um ideal e não quer largá-lo, não quer saber
sobre a falta de onipotência no Outro. Pois deparar-se com a falta no Outro, é
deparar-se com sua própria falta, é assumir sua castração – o que implica em
colocar-se como desejante.
O
que faz o deprimido? Ele justamente não quer saber do seu desejo, chegando ao
ponto de renunciá-lo – daí a falta de disposição do sujeito em depressão. Todavia ,
não querer desejar, implica em ficar triste, sem apetite, sem libido, sem
ânimo, em se auto-recriminar, pois o desejo é o que impulsiona a vida. Mas do
que o deprimido se culpa? Ele se culpa de ter cedido ao seu desejo. Culpa-se
também pelo buraco no Outro, pois prefere pensar que é sua responsabilidade a
abrir mão que uma idealização.
A
ausência de desejo, nos escreve Jimenez (ibid.), também pode se produzir quando
o sujeito fica sem causa. Ou seja, quando não sabe mais pelo que desejar,
quando já lutou muito por algo e não almejou o que queria, quando se desiludiu,
ou quando atingiu sua meta. Sobre este último ponto, Jimenez (ibid.), observa
que é comum a depressão em sujeitos bem sucedidos, quando alcançaram o ponto
mais desejado.
Quanto à perda
de um ideal, de uma desidealização no Outro, Alberti (1997) aponta que tal
fenômeno não é difícil, visto que a consistência do Outro tem sido abalada na
contemporaneidade, como por exemplo: a falência do Outro parental e do Outro do
Estado. Daí a autora supõe o aumento estatístico da clínica da depressão. Há,
na atualidade, o desaparecimento da imagem de autoridade. Autoridade entendida
como uma referência no qual o sujeito pode se apoiar. Assistimos as figuras de
autoridade, de modelo, serem destruídas. Os pais já não exercem tanta influência
sobre seus filhos. Antes a vontade do pai era lei - o que de certa forma
sustentava a vida dos filhos. Os professores são ridicularizados, a figura de
Deus já não é tão fundamental como era até o século XIX, os governantes estão
desacreditados, não existem mais líderes influentes na sociedade. Diante dessa falta de sustentação, o sujeito
se encontra desamparado. Ele não consegue construir meios de lidar com a falta
de garantias, com as incertezas, que é inerente a vida. Cabe assinalar que o
desamparo faz parte da constituição do sujeito, mas tais referências permitiam certo
suporte imaginário para lidar com a falta radical de estrutura.
Diante
disso, poderíamos nos perguntar: Qual o trabalho possível diante da depressão?
Jimenez responde: “O Bem Dizer como lei
ética do trabalho analítico pode ajudar a transformar a depressão em luto” (1997,
p.201) Frente a depressão, a psicanálise tem uma arma radical: o desejo. (ibid.)
REFERÊNCIAS:
ALBERT, Sonia. Quadros nosológicos:
depressão, melancolia e neurose obsessiva. In: ALMEIDA & MOURA (orgs.) A dor de existir e suas formas de expressão
clínica: tristeza, depressão, melancolia. Kalimeros – Escola Brasileira de
Psicanálise, Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997. 217-227 p.
BITTENCOURT, Maria. As lágrimas de
Maria. In: ALMEIDA & MOURA (orgs.) A
dor de existir e suas formas de expressão clínica: tristeza, depressão, melancolia.
Kalimeros – Escola Brasileira de Psicanálise, Rio de Janeiro: Contra Capa,
1997. 285 – 293 p.
FREUD. Sigmund. Inibição,
Sintoma e Angústia (1926). In: Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Edição standard
brasileira. Rio de janeiro: Imago
Ed., 1996. v. XX.
_______________ Luto e
Melancolia (1917). In: Obras Psicológicas
Completas de Sigmund Freud. Edição standard
brasileira. Rio de janeiro: Imago
Ed., 1996. v. XIV.
JIMENEZ, Stella. Depressão e
Melancolia.
In: ALMEIDA & MOURA (orgs.) A dor de
existir e suas formas de expressão clínica: tristeza, depressão,
melancolia. Kalimeros – Escola Brasileira de Psicanálise, Rio de Janeiro:
Contra Capa, 1997. 199-206 p.
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