Psicóloga / Psicanalista Flavia Bonfim - Atendimento - Cursos - Eventos - Textos
Contatos: (21) 98212-6662 / 2613-3947 (Secretária eletrônica)

domingo, 27 de julho de 2014

Uma leitura psicanalítica sobre a depressão.

Por Flavia Bonfim

A depressão não existe enquanto uma estrutura clínica, nem sequer constitui um “sintoma” propriamente dito para a psicanálise. Em Inibições, sintomas e angústia, Freud (1926) afirma que a depressão é uma inibição generalizada. A inibição implica em uma restrição do funcionamento do eu. Neste livro, Freud nos dá vários exemplos de inibições: da função sexual, da função da nutrição, da locomoção (indisposição e fraqueza) e do trabalho intelectual. Por ser a depressão uma inibição generalizada, podemos reconhecer todas essas inibições e muitas outras nos deprimidos.
Bittencourt (1997) assinala que sob a denominação depressão “estão designadas modalidades diferentes de expressão do sofrimento do sujeito” (ibid., p. 285) Diferentemente da tendência atual, a psicanálise não usa o rótulo de depressão para as mais variadas situações psíquicas. Atualmente, a qualquer sinal de tristeza, o sujeito já se diz deprimido ou é diagnosticado com tal quadro. Contudo, não podemos negar o número crescente de sujeitos em estados deprimidos na sociedade contemporânea. Segundo Bittencourt (ibid.), isso se justificaria pela própria característica da sociedade que vem promovendo a felicidade como objeto de consumo, excluindo o lugar para a falta, dificultando, assim, que os sujeitos se deparem com a perda. A autora salienta também que colocar a depressão como uma “doença” é uma maneira de instalar o sujeito no lugar de vítima das vicissitudes da vida, desresponsabilizando o sujeito da dor de existir. Isso implica em assinalar ao sujeito que ele não tem nada a fazer por si a não ser usar os medicamentos apropriados para curar esse mal, que é um modo de negligenciar a causalidade psíquica existente no fenômeno da depressão. Isso não quer dizer que a medicação não seja indicada e necessária em alguns casos.
Jimenez (1997) escreve que a depressão é o contrário do luto, na medida em que este é um trabalho espontâneo do simbólico. Na depressão, lidamos com um luto congelado, eternizado, pela falta de trabalho de elaboração. Ou seja, o sujeito encontra dificuldades para se referenciar na perda, não querendo se reconhecer como um sujeito faltoso, pois isso implicaria em remetê-lo à castração. D dificultando que os sujeitos se deparem com a perda e atrav
O luto, em oposição à depressão, implica em conhecer, como assinala Freud (1917), que o objeto amado não existe mais, cabendo ao sujeito se perguntar se deseja partilhar do mesmo destino. Se essa questão for evitada, nos escreve Jimenez (1997), “a tristeza se eterniza e se torna depressão”. (p. 201)
            Convém neste momento fazermos uma distinção entre luto e a depressão. Mas antes comecemos com suas semelhanças. Esses estados se caracterizam por uma profunda tristeza, pela diminuição do interesse no mundo externo e pela inibição de todas as funções do eu. Entretanto, observamos no luto uma diferença radical: “A perturbação da auto-estima não está presente no luto; afora isso, porém as características são as mesmas” (FREUD, 1915, p. 250) Na depressão, nos deparamos com a baixa auto-estima, as auto-acusações e auto-humilhações.
            A depressão pode ser suscitada por uma perda, contudo, pode ocorrer do sujeito nem saber o que perdeu. Ou quando sabe quem perdeu, nos afirma Freud, ele não “sabe o que perdeu nesse alguém.” (ibid., p. 251) Freud argumenta que o “objeto talvez não tenha realmente morrido, mas tenha sido perdido enquanto objeto de amor.” (ibid., p. 251)
            Jimenez (1997), então, considera que na depressão a pessoa amada foi colocada no lugar de depositário de Ideal do Eu.    Bittencourt (1997) acrescenta que o estado depressivo é um efeito do confronto com a falta, com o buraco no Outro. Um buraco irreparável que leva o sujeito a remanejar suas identificações imaginárias com as quais tentava preencher sua própria falta.
            Jimenez (1997), citando Lacan, define a depressão “como um pecado, uma covardia moral frente ao dever do Bem Dizer, de se referenciar na estrutura, o que seria equivalente a se reconhecer desejante.” (p. 202) Como já foi assinalado, o deprimido se entristece quando perde aquele ou aquilo que estava como depositário do Ideal do Eu, quando se depara com a falta no Outro. O deprimido agarra-se ao Outro, colocando-o no lugar de onipotência, num lugar idealizado. Diante dessa suposta onipotência e perfeição atribuída ao Outro, só resta ao deprimido se sentir sem valor, incapaz. O deprimido está preso a um ideal e não quer largá-lo, não quer saber sobre a falta de onipotência no Outro. Pois deparar-se com a falta no Outro, é deparar-se com sua própria falta, é assumir sua castração – o que implica em colocar-se como desejante.
            O que faz o deprimido? Ele justamente não quer saber do seu desejo, chegando ao ponto de renunciá-lo – daí a falta de disposição do sujeito em depressão. Todavia, não querer desejar, implica em ficar triste, sem apetite, sem libido, sem ânimo, em se auto-recriminar, pois o desejo é o que impulsiona a vida. Mas do que o deprimido se culpa? Ele se culpa de ter cedido ao seu desejo. Culpa-se também pelo buraco no Outro, pois prefere pensar que é sua responsabilidade a abrir mão que uma idealização.
            A ausência de desejo, nos escreve Jimenez (ibid.), também pode se produzir quando o sujeito fica sem causa. Ou seja, quando não sabe mais pelo que desejar, quando já lutou muito por algo e não almejou o que queria, quando se desiludiu, ou quando atingiu sua meta. Sobre este último ponto, Jimenez (ibid.), observa que é comum a depressão em sujeitos bem sucedidos, quando alcançaram o ponto mais desejado.
Quanto à perda de um ideal, de uma desidealização no Outro, Alberti (1997) aponta que tal fenômeno não é difícil, visto que a consistência do Outro tem sido abalada na contemporaneidade, como por exemplo: a falência do Outro parental e do Outro do Estado. Daí a autora supõe o aumento estatístico da clínica da depressão. Há, na atualidade, o desaparecimento da imagem de autoridade. Autoridade entendida como uma referência no qual o sujeito pode se apoiar. Assistimos as figuras de autoridade, de modelo, serem destruídas. Os pais já não exercem tanta influência sobre seus filhos. Antes a vontade do pai era lei - o que de certa forma sustentava a vida dos filhos. Os professores são ridicularizados, a figura de Deus já não é tão fundamental como era até o século XIX, os governantes estão desacreditados, não existem mais líderes influentes na sociedade.  Diante dessa falta de sustentação, o sujeito se encontra desamparado. Ele não consegue construir meios de lidar com a falta de garantias, com as incertezas, que é inerente a vida. Cabe assinalar que o desamparo faz parte da constituição do sujeito, mas tais referências permitiam certo suporte imaginário para lidar com a falta radical de estrutura.
            Diante disso, poderíamos nos perguntar: Qual o trabalho possível diante da depressão?
Jimenez responde: “O Bem Dizer como lei ética do trabalho analítico pode ajudar a transformar a depressão em luto” (1997, p.201) Frente a depressão, a psicanálise tem uma arma radical: o desejo. (ibid.)

REFERÊNCIAS:

ALBERT, Sonia. Quadros nosológicos: depressão, melancolia e neurose obsessiva. In: ALMEIDA & MOURA (orgs.) A dor de existir e suas formas de expressão clínica: tristeza, depressão, melancolia. Kalimeros – Escola Brasileira de Psicanálise, Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997. 217-227 p.

BITTENCOURT, Maria. As lágrimas de Maria. In: ALMEIDA & MOURA (orgs.) A dor de existir e suas formas de expressão clínica: tristeza, depressão, melancolia. Kalimeros – Escola Brasileira de Psicanálise, Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997. 285 – 293 p.

FREUD. Sigmund. Inibição, Sintoma e Angústia (1926). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição standard brasileira. Rio de janeiro: Imago Ed., 1996. v. XX.

_______________ Luto e Melancolia (1917). In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Edição standard brasileira. Rio de janeiro: Imago Ed., 1996. v. XIV.


JIMENEZ, Stella. Depressão e Melancolia. In: ALMEIDA & MOURA (orgs.) A dor de existir e suas formas de expressão clínica: tristeza, depressão, melancolia. Kalimeros – Escola Brasileira de Psicanálise, Rio de Janeiro: Contra Capa, 1997. 199-206 p.





















Nenhum comentário:

Postar um comentário