POR FLAVIA BONFIM
Precisamos começar a refletir na psicanálise sobre os efeitos do racismo enquanto modalidade particular de sofrimento psíquico da negritude no Brasil. Esse tema carece de uma elaboração consistente no campo psicanalítico, tendo em vista que mais da metade da população brasileira é composta por pessoas negras e esse assunto não recebeu até hoje pela maioria dos psicanalistas a devida atenção. Nesse sentido, proponho aqui algumas indicações de leituras, que podem ser encontradas online, de modo que estejamos à altura de uma clínica realizada em território brasileiro.
Antes, porém, de adentrarmos propriamente nos textos psicanalíticos, é imprescindível entendermos o que é o racismo. Como afirma o advogado e filósofo Silvio Almeida, o racismo não deve ser pensado apenas como um ato ou um conjunto de
atos discriminatórios, mas como um processo sistemático que promove condições de subalternização para um grupo racial (negros) e privilégios para
outro grupo (brancos). Para ele, o racismo no Brasil é estrutural, fundamentado por um processo histórico e
político, que constituem relações desiguais em termos sociais, políticos, econômicos e
jurídicos, conferindo posições de vulnerabilidade aos negros.
Segue o link do livro "O que é racismo estrutural?" para melhor nos orientarmos neste debate:
Outra consideração importante nessa indicação de leituras é falar sobre Virgínia Bicudo - a primeira pessoa a deitar no divã no Brasil. Virginia era um mulher negra, que se tornou psicanalista e sua história profissional contribuiu para a difusão da psicanálise em solo brasileiro. Uma história impressionante e cheia de pioneirismos, mas que foi apagada dos livros de história tanto da sociologia (formação que inicialmente atuou) quanto da psicanálise no Brasil.
Para conhecer a história dela, segue o artigo "Virginia Bicudo: uma história da psicanálise brasileira" das autoras Maria Helena Indig Teperman e Sonia Knopf:
Posto isto, podemos começar com a leitura dos textos psicanalíticos. Recomendo inicialmenhte o livro “Tornar-se negro” da psicanalista Neusa Santos Souza. Neste livro, Neuza discute
sobre o impasse superegóico da pessoa negra que ascende socialmente no Brasil,
na medida em que constrói um ideal de brancura, impossível de ser atingido,
cujo mecanismo é a negação de tudo aquilo que remete a sua negritude. Esse livro se configura como uns dos textos inaugurais e referenciais sobre essa temática no Brasil.
Segue o link do livro em PDF:
Em segundo lugar, não podemos seguir nessa discussão sem conhecer o trabalho "Peles negras, máscaras brancas" do psiquiatra Frantz Fanon, que problematizou a questão das relações raciais a partir da dimensão do desejo, expondo os dilemas subjetivos da pessoa negra ao viver em uma sociedade colonial.
O livro do Fanon pode ser encontrado no link abaixo:
Retomando os estudos brasileiros, é importante pensar o problema do racismo no Brasil a partir de uma história que não foi contada e, portanto, também não permitiu ser devidamente elaborada. Recalcado, como diz a antropóloga e psicanalista Lélia Gonzalez, o racismo se constitui a "neurose cultural brasileira" - discussão que pode ser encontrada no texto chamado "Racismo e sexismo na cultura brasileira", disponível no link:
Outra referência é a psicanalista Isildinha Nogueira. No seu trabalho intitulado "O corpo da mulher negra", Nogueira afirma que a sociedade
estabelece sobre os corpos seus sentidos e valores - o que influenciou o modo como o corpo negro é pensado. Ou seja, em decorrência de um nefasto passado de longa escravização, o corpo negro é ainda é tomado como “peça”, “mercadoria”,
“coisa”, objetificado, desumanizado, presentificado na memória social e atualizando o
preconceito racial. Segue o link do texto:
Para pensar esse tema a partir de uma orientação lacaniana, sugiro o texto do psicanalista Jacques Alain Miller "Racismo e Extimidade", no qual ele propõe pensar o racismo como um ódio dirigido ao Outro. Esse texto pode ser encontrado no link:
Ainda numa perspectiva lacaniana, mas agora em diálago com outros psicanalistas tais como Neusa Santos Souza, Frantz Fanon e Grada Kilomba, temos o artigo de Jefferson Nascimento e Gisele Falbo, intitulado: "Is there, for the black person, only one destiny? A psychoanalytical approach":
Seguindo essa linha, Jefferson Nascimento e Gisele Falbo, juntamente com os autores Daniele Menezes, Rosa Schechter e Paulo Vidal, em novo artigo procuram pensar o racismo como um sintoma de discurso partindo dessa perspectiva para incluir a psicanálise nesse debate. Segue o link do artigo escrito por eles: “Das impossibilidades do racismo etnosemantico a fala como saída”:
No segundo texto intitulado “Alienação e separação: por uma leitura dos atravessamentos do racismo na constituição subjetiva”, procurei pensar a construção de uma psicanálise implicada com a luta antirracista e a altura de uma clínica realizada em solo brasileiro. Partindo dos conceitos de alienação e separação no ensino de Lacan, propus uma leitura sobre os atravessamentos do racismo na constituição subjetiva. No bojo dessa discussão inclui pensar qual seria o “campo do Outro” referente ao Brasil na medida em que o Outro não se restringe ao desejo materno e a lei paterna, mas também comporta o tesouro dos significantes e as marcas da cultura. Este texto faz de um capítulo do livro “Corpo e afeto: população negra em pauta”. Disponibilizo o link do livro em pdf:
Por último, segue dois links de Revistas de Psicanálise:
1) Revista Correio Express (Revista online da Escola Brasileira de Psicanálise) cuja edição de março de 2018 contempla textos sobre essa temática a partir do Fórum "Por que apenas existem raças de discurso: desafios para a democracia" :
https://www.ebp.org.br/correio_express/extra001/index.html
2) Revista Correio APPOA (Revista da Associação Psicanalítica de Porto Alegre) cuja edição de setembro de 2020 aborda o tema "Racismo e questões raciais"
BOA LEITURA!!!
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